Peça "Joana d'Arc" reafirma o Bom, o Belo e o Verdadeiro
MARCELO MARCUS FONSECA
ESPECIAL PARA A FOLHA
"Schiller despreza a história para pintar um quadro em que a morte da heroína, antes de um castigo, torna-se uma redentora graça", afirma o crítico da Folha Luiz Fernando Ramos no texto "Montagem ousada de Schiller enfrenta problemas ao mirar no romantismo" (Ilustrada, 23/6), sobre "Joana d'Arc -A Virgem de Orleans".
Sim, é exatamente isso. Diante de tanta falta de ética, lealdade, crença nas coisas do mundo, palavra, respeito, humanidade, no romantismo e hoje, a redenção às vezes é o suicídio.
"A Virgem de Orleans" é um texto de ideias sobrepostas. Geralmente é o que o espectador mais elogia: diante de um teatro que simplifica cada vez mais os temas, reduzindo tudo à falta de lógica (sim, é necessária a lógica do "russo antigo") e a um diálogo idiota com a tecnologia, o sujeito goza quando pode receber mais informações do que estava previsto no valor do ingresso. Mas informações que se emendam, com começo, meio e fim.
[Antonin] Artaud [1896-1948] criticou toda forma de teatro e, quando escreveu sua peça, apresentou ao público um texto com estrutura clássica de tragédia, "quase careta". Claro que, longe de outros autores, os símbolos contidos, o que existe de cifrado em sua obra, é realmente perturbador.
É de fato difícil sustentar hoje uma peça de cinco atos, mais prólogo, com 20 atores. Principalmente porque não se tem mais disposição pra isso com gente procurando fama e com pressa demais.
Ou se reduz Shakespeare a uma fala dividida pela literatura num jeito de falar que nem o autor usava com caminhadas naturalistas ou se fragmenta tudo sem pé nem cabeça e a gente tem que se fingir de inteligente dizendo que leu isso ou aquilo na encenação "pós".
Hoje tudo começa em "pós", contemporâneo. Pintam-se os relógios de Dalí antes de saber desenhá-los com perfeição.
Ouvimos outro dia: "Isso é teatro que não se faz mais". Gosto da frase como elogio e como crítica. Não sou adepto das modernidades e não gosto de teatro em que história não se conta. Prefiro os autores inteiros, não os diretores.
A questão do ponto de vista é a que fica: creio no valor do homem a ser resgatado e isso me leva aos ideais do romantismo nessa montagem.
Assim como em Brecht, procuro dizer palavras do autor, senão não me meteria com ele. Na verdade, Schiller diz o que queremos dizer.
Por isso escolhemos esse texto e não Shaw, Claudel ou Brecht. Há algo ainda antes da bagunça de ideias: a beleza, a inteligência e a obra.
Quanto aos atores, não gosto porque dirigi, mas porque representam da forma que me anima mais assistir.
A peça joga toda a atenção em cima deles, por isso ficam expostos. Não há maquiagem para esconder as atuações, como vejo muito por aí num teatro cheio de truques com atores falando muito pouco e mal. Não existe teatro moderno. Só teatro. Questão de gosto pessoal. Como toda crítica.
MARCELO MARCUS FONSECA é diretor da peça "Joana D'Arc - A Virgem de Orleans".
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq3006201113.htm
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