A Companhia de Teatro Heliópolis estreia sua nova montagem, (IN)JUSTIÇA, no dia 25 de janeiro, sexta, na Casa
de Teatro Maria José de Carvalho (sede do grupo), às 20 horas. A encenação
é dirigida por Miguel Rocha,
fundador e diretor do grupo; e Evill Rebouças assina o texto que foi
criado em processo colaborativo com a Companhia.
(IN)JUSTIÇA
é um ensaio cênico, guiado pela indagação ‘o que os veredictos não revelam?’, que
reflete sobre aspectos do sistema jurídico brasileiro. Para tanto, conta a
história do jovem Cerol que, involuntariamente, pratica um crime. A partir daí,
surgem diversas concepções sobre o que é justiça, seja a praticada pelo
judiciário ou aquela sentenciada pela sociedade.
Permeado por imagens-sínteses (característica da Companhia de Teatro
Heliópolis) e explorando a performance corporal, o espetáculo coloca em cena a
complexidade da justiça no país, deixando a plateia na posição de júri em um
tribunal. O embate entre os dois lados da justiça - da vítima e do criminoso -
se estabelece em um jogo contundente que expõe com originalidade a crua realidade
dos jovens pobres e negros. A música ao vivo confere ainda mais densidade
poética ao ‘relato’, que foge de qualquer abordagem clichê.
A história de Cerol é contada de forma não linear. Exímio empinador de
pipas, ele vive com sua avó, pois a mãe morreu no parto e o pai, assassinado.
Depois de uma briga por conta do alto volume da música na vizinhança, Cerol
foge e acaba disparando involuntariamente um tiro em uma mulher, que morre em
seguida. Ele acaba preso e é submetido ao julgamento da lei e da sociedade.
Com base nesse argumento, a Companhia de Teatro Heliópolis discute
direitos humanos à luz da Constituição Nacional. A encenação recupera também a
ancestralidade brasileira em passagens ritualísticas. “Queremos pensar o homem
negro e a justiça, desde a nossa origem até os dias de hoje”, afirma o diretor
Miguel Rocha.
Cenas impactantes e desconcertantes surpreendem todo o tempo. A
encenação de Miguel Rocha, alinhavada pela dramaturgia de Evill Rebouças,
mostra como a democracia pode ser manipulada. O crime versus a vítima ou o
criminoso versus a justiça aparecem de forma não superficial nem previsível. A
abordagem de (IN)JUSTIÇA parte do ponto de vista mais íntimo para aquele mais
coletivo: da comunidade para a sociedade, da moral pessoal às convenções
sociais. Isso permite, igualmente, as leituras de um mesmo caso jurídico, como
no julgamento - defesa e promotoria -, onde ambos os discursos são tão
contundentes quanto convincentes. “Para falar de justiça, temos que falar das
relações humanas contraditórias, pois a justiça se apresenta pelas
contradições”, reflete o diretor.
Permeado por emoções e sensações que fogem da obviedade, o espetáculo
tem quadros coreografados que trazem o respiro necessário à dinâmica da
encenação: cidadãos urbanos, policiais, advogados com suas togas desfilam pela
área cênica e hipnotizam o espectador. Os depoimentos inseridos nas cenas
humanizam e tornam crível a proposta da montagem, sejam eles densos,
desconcertantes, ou mesmo lúdicos. Segundo o diretor, os três pontos de vista
sobre justiça – “o pessoal, o divina e o do homem” – são considerados na
concepção de (IN)JUSTIÇA, bem como a máxima que diz “só quem passou por uma
injustiça sabe o que é justiça”.
O cenário (Marcelo
Denny) situa a força da ancestralidade, presente na terra
e no terreiro, na força fria do zinco, na estética religiosa que foge dos
estereótipos. Traz também o símbolo da lentidão da justiça com toda sua
burocracia em pilhas e pilhas de papéis e processos. Elementos como areia,
terra, projéteis de bala e pipas compõem a área de encenação, onde predomina a
cor cinza. A trilha (de Meno
Del Picchia) e os efeitos sonoros são executados em sincronismo
com as cenas. Os atores interpretam cantos de tradição que reforçam a busca
pela humanização e pela ancestralidade propostas pelo espetáculo.
(IN)JUSTIÇA nasceu de um longo processo criativo,
iniciado em fevereiro de 2018, disparado por encontros
dos integrantes da Companhia de Teatro Heliópolis com pensadores ativistas que
falaram sobre os vários aspectos da Justiça. Os convidados foram Viviane Mosé
(filósofa), Gustavo Roberto Costa (promotor de justiça), Ana Lúcia Pastore
(antropóloga) e Cristiano Burlan (cineasta), tendo Maria Fernanda Vomero (provocadora
cênica, jornalista e pesquisadora teatral) como mediadora.
O espetáculo integra o projeto Justiça - O que os Vereditos Não Revelam,
contemplado pela 31ª edição do Programa Municipal de Fomento ao Teatro para a
Cidade de São Paulo.
Uma reflexão sobre o espetáculo
Durante o processo de pesquisa do projeto anterior da Companhia de
Teatro Heliópolis, Microviolências e Suas Naturalizações, contemplado pela 28ª
edição do Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo, o grupo se debruçou
sobre as pequenas violências do dia a dia, naturalizadas pelo hábito e
mantenedoras de uma opressão quase sempre silenciosa. Constataram que as
lideranças do tráfico em Heliópolis exercem sua autoridade, entre outros
métodos, por meio dessas pequenas violências e as perpetuam em prol de um ‘bem-estar’
local. Constataram então que o poder paralelo na favela, de certa forma,
reproduz a lógica punitivista do Estado e sua carga repressiva. O crime organizado
classifica os ‘limpos’, em relação aos ‘infratores’, tal como acontece na
sociedade brasileira, ao aderir à divisão entre ‘cidadãos de bem’ e ‘bandidos’. Miguel Rocha explica
que no tribunal do crime, o lema é: ‘aqui ninguém te julga, quem te julga são
seus atos’. “E assim, como moradores de Heliópolis, acostumamo-nos a viver sob
o domínio desta ‘justiça’ que nunca falha. Não falha?”, reflete o encenador.
Fora dos limites da
favela, a seletividade da justiça oficial recai sobre esses mesmos moradores. O
diretor completa: “A maioria da população de Heliópolis é jovem, negra, pobre e
migrante; justamente o segmento mais criminalizado pelo sistema penal
brasileiro. Costuma-se dizer que essa justiça também não falha, será que não
falha?”.
Instigados pelo fenômeno da judicialização da vida
social e política, em consonância com a crescente criminalização de indivíduos
ou movimentos outrora tidos como opositores ou transgressores, a Companhia
busca, por meio do espetáculo (IN)JUSTIÇA, compreender a
fundo o que significa justiça e examinar, na cena, suas representações, seus
mecanismos e seus rituais. “Temos constatado a gradual desmoralização da ideia
de justiça em contraposição ao veloz recrudescimento das posições em favor de
um senso de justiça, refletido na sede por ‘justiçamento’, ou seja, por
vingança ou punição”, declara Miguel. Ele diz que, no
Brasil, justiça parece ser um valor que serve apenas a uma
pequena parcela da população e lhe assegura privilégios e blindagem, minando
totalmente a viabilidade de um Estado que garanta equidade de direitos e do
estabelecimento de uma sociedade em que todos usufruam de possibilidades
iguais.
Ficha
técnica
Encenação:
Miguel Rocha
Texto:
Evill Rebouças (criação em
processo colaborativo com a Cia de
Teatro Heliópolis)
Elenco: Alex Mendes, Cícero Junior, Dalma
Régia, Danyel Freitas, David Guimarães, Gustavo Rocha, Karlla Queiroz e Walmir
Bess.
Cenografia/instalação:
Marcelo Denny
Assistência
de cenografia: Denise Fujimoto
Figurino:
Samara Costa
Iluminação:
Fagner Lourenço e Miguel Rocha
Provocação
teórica e prática: Maria Fernanda Vomero
Provocação
/ teatro épico: Alexandre Mate
Provocação
/ teatro performático: Marcelo Denny
Direção de movimento: Lúcia Kakazu e Miguel
Rocha
Preparação corporal: Lúcia Kakazu
Coreografia: Camila Bronizeski, Lucia Kakazu
e Miguel Rocha
Oficina de dança: Camila Bronizeski
Oficina de mímica: Thiago Cuimar
Direção
musical: Meno Del Picchia
Oficina
de voz: Bel Borges
Oficina
de canto: Luciano Mendes de Jesus
Músicos: Amanda Abá (violoncelo e violino), Bel
Borges (violão e percussão) e Fernanda Broggi (percussão).
Operação
de luz: Fagner Lourenço e Viviane Santos
Operação de som e sonoplastia: Giovani
Bressanin
Mesas
de debates: Viviane Mosé, Gustavo Roberto Costa, Ana Lúcia Pastore e Cristiano
Burlan
Mediadora/debates:
Maria Fernanda Vomero
Comentador
convidado: Bruno Paes Manso
Organização
de textos do programa: Maria Fernanda Vomero
Direção de produção: Dalma Régia
Produção executiva: Elaine Vital Marciano
Fotos: Caroline Ferreira e Donizete Bomfim
Design gráfico: Camila Teixeira
Assessoria de imprensa: Eliane Verbena
Realização: Companhia de Teatro Heliópolis
Apoio: 31ª Edição do Programa Municipal de
Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo.
Serviço
Espetáculo: (IN)JUSTIÇA
Estreia:
25 de janeiro, sexta, às 20 horas
Temporada: 25 de janeiro a 19 de maio
Horários: sextas e sábados (às 20h) e
domingos (às 19 horas)
Ingressos: Pague quanto puder (bilheteria: 1h antes das sessões)
Duração: 90 minutos. Gênero: Experimental / Ensaio cênico. Classificação: 14 anos
Casa de Teatro Maria José de Carvalho
Rua Silva Bueno, 1533. Ipiranga/SP. Tel: (11)
2060-0318
Capacidade: 60 lugares. Não possui
acessibilidade. Não possui estacionamento.
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