terça-feira, 14 de junho de 2022

Espetáculo dirigido por Marta Baião cria diálogo entre saúde mental e artes cênicas nas periferias

Crédito/foto: Marta Baião

Montagem da Pião Produções Artísticas tem inspiração em livro de Edmar Oliveira, sobre métodos terapêuticos de Nise da Silveira, e na realidade sobre saúde mental na periferia.

Ouvindo Vozes: da Marginalização à Loucura - espetáculo com  encenação e direção de Marta Baião estreia no dia 22 de junho (quarta), no CEU Alto Alegre, às 20h. Com dramaturgia assinada pela diretora e por Cynthia Regina, a montagem é resultado de pesquisa e processo criativo da Pião Produções Artísticas, livremente inspirada no livro Ouvindo Vozes, de Edmar Oliveira.

As apresentações (gratuitas) ocorrem em espaços públicos não convencionais, frequentados ou a serviço da comunidade, nas regiões de Iguatemi e Sapopemba - zona leste de São Paulo. A temporada inclui quatro rodas de conversa sobre Saúde Mental na Periferia, com participação de Cristina Melo (psicóloga e arteterapeuta), e sessões com tradução em Libras, por Luccas Araújo. As próximas sessões ocorrem na E.E. Jardim Iguatemi (01/07, às 19h e às 21h), CEDECA Sapopemba (06/07, às 20h) e CEU Sapopemba (08/07, às 20h), entre outros.

Este projeto foi viabilizado pelo Programa VAI - Programa para Valorização de Iniciativas Culturais, da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo.

Pelo viés do teatro épico performativo, a poética montagem traz a história de três clientes, como eram chamadas as pessoas em tratamento no Instituto Nise da Silveira, no Engenho de Dentro (RJ), que descobriram vida na loucura, em um lugar marcado pelas ideias da médica psiquiatra, uma revolucionária no tratamento mental pela arteterapaia, que garantiu àqueles(as) com ‘manias de liberdade’, as saídas de suas profundezas para o encontro com a vida.  Os atores Everton Santos, Juliana Morelli e Rogério Nascimento fazem releituras das histórias, não comprometidos com o normal ou anormal, mas com a desconstrução da ideia de loucura. “Ouvindo Vozes é uma história que cabe ao espectador finalizar. A situação exige reflexão de cada um. Parafraseando o cordelista Chico Salles, falamos do bom senso expressado na loucura, desatino de um tempo desigual, onde se mistura estupidez com genialidade”, afirma a encenadora Marta Baião.

O livro Ouvindo Vozes aborda o processo de reestruturação do Instituto por meio da história de pessoas com diagnóstico de esquizofrenia, em tratamento psiquiátrico, privadas de acesso aos direitos básicos de sobrevivência. O enredo explora a realidade exposta no livro e as vivências dos(as) artistas periféricos(as), participantes desta produção, alinhavadas por suas memórias frente à realidade sobre a saúde a mental em seus territórios: os Distritos de Iguatemi e Sapopemba, em São Paulo. Marta Baião explica que o processo criativo conjunto foi conduzido para revelar “corpos aprisionados que fogem do modelo estipulado pela sociedade, corpos indisciplinados que não cumprem um papel esperado”.

Everton Santos traz para a cena a história de um jovem, o mais velho de três irmãos. Por ser fruto de uma relação extraconjugal da mãe com um político, vivia trancado, afastado do convívio social. Ele é internado como louco quando, em um acesso de raiva, ele rasga o vestido de noiva de sua irmã ao descobrir que ela iria se casar sem a sua presença. Rogério Nascimento vive um jovem sonhador, predestinado para passar 20 anos no hospital do Engenho de Dentro, apenas por ser uma pessoa sem controle emocional. Quando alcança o direito de ir para uma casa acolhedora, ele busca conhecer o mundo, busca a liberdade que lhe foi tolhida. Juliana Morelli interpreta uma moça com problemas psiquiátricos que, ao ser internada, conta com a surpreendente adesão das duas irmãs, que decidem se internar junto com a irmã para ficarem juntas.

Segundo a diretora, os elementos cênicos (atuação, cenário, figurino e música) dialogam pela simbologia metafórica. A cenografia concebida por ela sugere o aprisionamento. Espaços delimitados geometricamente se interligam por estruturas altas e vazadas, situando a prisão individual das personagens, bem como as possibilidades de libertação com portas e saídas. A cor branca e transparências predominam nas estruturas e nas cortinas, representando a tênue linha entre a sanidade e a loucura, e também ganham a conotação de telas/mandalas que serão pintadas pelo público antes das sessões, numa referência à arteterapia de Nise da Silveira. Projeções em video mapping - com imagens referentes ao trabalho da Dra. Nise e encenação de métodos físicos de tratamento - potencializam a abordagem e fazem o público pensar, além de técnicas de teatro de sombras que são usadas para representar a possibilidade de morte. Os figurinos (de Marta Baião) carregam simbologias do universo das personagens; trazem alegorias que reportam à busca pela libertação desses corpos. E a trilha sonora original, de Eduluz, conta com músicas que assumem funções dramatúrgicas na encenação, compostas pelos próprios atores.

Toda equipe artística envolvida na montagem foi submetida a um processo arteterapêutico, baseado nas práticas de Nise da Silveira, com o intuito de ampliar as percepções e fundamentar o trabalho. Para os realizadores, Ouvindo Vozes: da Marginalização à Loucura quer contribuir para a conscientização da importância das artes cênicas como um dos elementos fundamentais para conscientizar sobre a saúde mental nas regiões periféricas. “As pessoas da periferia são menos acolhidas em todas as situações. O morador periférico é marginalizado, junto com tudo que lhe diz respeito, e não é diferente com a loucura, quando a pessoa é simplesmente descartada”, afirma Everton Santos. “Queremos sensibilizar pessoas moradoras das nossas regiões tendo como ferramenta a arte, a linguagem teatral, visando reflexão e discussão acerca dos transtornos mentais e suas abordagens nas margens da cidade”, Finaliza.

A origem do espetáculo

A ideia de montar Ouvindo Vozes: da Marginalização à Loucura surgiu, em 2016, quando Michele Araújo e Everton Santos - fundadores da Pião Produções Artísticas - tiveram contado com o livro de Edmar Oliveira, durante pesquisa para outro trabalho. Everton desenvolveu um exercício de cena, a partir da narrativa de um dos clientes de Nise da Silveira, fora do consciente estabelecido socialmente. A semente estava lançada e ele queria conhecer mais. No ano seguinte, junto com Michele, partiu para o Rio de Janeiro, rumo ao Museu de Imagens do Inconsciente e ao Instituto Municipal Nise da Silveira (antigo Hospital Psiquiátrico D. Pedro II), dando início ao processo de gestação de ideias.

Em 2019, eles e Monica Soares, recém-integrada ao grupo, voltaram ao Museu com propósitos mais definidos para estruturação do projeto. “Fizemos uma visita guiada que intensificou o nosso desejo de conhecer e mergulhar nesse universo. Acessamos imagens, esculturas e histórias que despertaram em nós o anseio de criar”, relembra Michele, que é produtora da peça. Também retornaram ao Instituto para saber melhor da sua história e visitaram a Casa das Palmeiras para conhecer de perto as práticas terapêuticas de Nise da Silveira. Essas vivências reverberaram, provocando reflexões sobre essa realidade nos territórios de Everton e Michele: ele, nascido, criado e morador do Distrito de Iguatemi, e ela, nascida, criada e moradora do Distrito de Sapopemba, ambos na Zona Leste de São Paulo, onde também atuam como artistas, produtor/produtora e educador/educadora. Um longo trabalho de construção cênica e o mergulho na arteterapia resultaram no espetáculo Ouvindo Vozes: da Marginalização à Loucura que busca diálogo entre o fazer teatral e a estruturação da saúde mental na periferia.

FICHA TÉCNICA – Livremente inspirado no livro Ouvindo Vozes, de Edmar Oliveira. Dramaturgia: Cynthia Regina e Marta Baião em processo criativo da Pião Produções Artísticas. Direção/encenação: Marta Baião. Elenco: Everton Santos, Juliana Morelli e Rogério Nascimento. Concepção de cenário e figurino: Marta Baião. Execução/cenário: Daíse Neves. Execução/figurino: Isa Santos. Iluminação: Decio Filho. Trilha sonora original e projeção: Eduluz. Músicas: Rogério Nascimento, Juliana Morelli e Everton Santos. Coreografia: Drama Extreme Voz de Nise da Silveira: Leila Silva Gomes. Voz em off: Edmar Oliveira. Arteterapeutas: Monica Soares e Cristina Melo. Psicológa mediadoroa: Cristina Melo. Tradutor intérprete de Libras: Luccas Araújo. Identidade visual: Renan Preto. Fotos/divulgação: Marta Baião. Social media: Rosana Cardoso e Elen Eres. Produção executiva: Michele Araújo e Everton Santos. Idealização e produção geral: Pião Produções Artísticas. Realização: Prefeitura Municipal de São Paulo - Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, por meio do Programa VAI - Programa para Valorização de Iniciativas Culturais.

Marta Baião – Capixaba radicada em São Paulo, Marta Baião é doutora em Artes pela USP e cursa pós-doutorado na USP/FFLCH / Diversitas - Núcleo de Estudos das Diversidades, Intolerâncias e Conflitos. Possui mestrado e doutorado em Artes Cênicas / USP, pós-graduação Lato Sensu - formação em Psicodrama e graduação em Artes Plásticas pela UFES. É pesquisadora, repórter fotográfica, atriz, encenadora e diretora teatral, ilustradora, artivista feminista e criadora de instalações performativas. Entre várias outras atividades, Marta é encenadora do grupo de teatro feminista Mal-Amadas: Poética do Desmonte e coordenadora do Centro Informação Mulher (CIM), maior acervo da América Latina sobre a história de luta das mulheres, criado em 1979

Pião Produções Artísticas - A Pião Produções surgiu com o sonho dos atores/produtores Michele Araújo e Everton Santos em realizar ações culturais nas periferias de São Paulo. Everton e Michele se conheceram estudando teatro na EMIA/Santo André (Escola de Iniciação Artística), em 2001. São nascidos(as) e criados(as) no berço da zona leste de São Paulo, Sapopemba e Iguatemi, respectivamente. Desde 2015, quando fizeram a primeira produção executiva teatral, estiveram à frente de aproximadamente 20 produções, além da elaboração de projetos culturais, inclusive para editais públicos. Everton é pós-graduado em Gestão de Projetos pela Fundação Getúlio Vargas e Bacharel em Artes Cênicas pela Faculdade Paulista de Artes. Michele é pós-graduada em A Arte de Contar História na Faculdade de Conchas e Licenciada em Artes Cênicas pela Faculdade Paulista de Artes. Juntes realizaram o Curso de Extensão Elaboração, Viabilização e Gestão de Projetos Culturais em Artes Cênicas, com orientação de Daniela Machado (SP Escola de Teatro). Com amor pela produção periférica compreendem que não tem “progresso sem acesso”, por isso querem que todas as pessoas das periferias do Brasil, tenham acesso aos bens culturais e sociais e que artistas consigam produzir sua arte na periferia para a periferia. Em 2019, Monica Soares juntou-se à dupla, no processo de pesquisa para Ouvindo Vozes: da Marginalização à Loucura surgiu, e em 2020, o núcleo se completou com a atriz Juliana Morelli e o ator Rogério Nascimento.

 Serviço / Programação

Espetáculo: Ouvindo Vozes: da Marginalização à Loucura
Com: Pião Produções Artística
Grátis. Duração: 60 min. Gênero: Drama. Classificação: 16 anos. 

29 de junho. Quarta, às 20h (sessão aberta)
CEU Alto Alegre
Avenida Bento Guelfi, s/n - Jardim Alto Alegre / Iguatemi. São Paulo/SP.
Roda de conversa: Saúde Mental na Periferia - com Cristina Melo.

01 de julho. Sexta, às 19h e às 21h (sessão fechada)
E.E. Jardim Iguatemi
Rua Confederação dos Tamoios, 182 - São Mateus. São Paulo/SP.
Roda de conversa: Saúde Mental na Periferia - com Cristina Melo.
Tradução em Libras: com Luccas Araújo

06 de julho. Quarta, às 20h (sessão fechada)
CEDECA Sapopemba - Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente
Rua Vicente Franco Tolentino, 45 - Sapopemba. São Paulo/SP 

08 de julho. Sexta, às 20h (sessão aberta)
CEU Sapopemba
Rua Manuel Quirino de Mattos, s/n - Jardim Sapopemba. São Paulo/SP.
Roda de conversa: Saúde Mental na Periferia - com Cristina Melo.


Informações à imprensa: VERBENA ASSESSORIA
Eliane Verbena
(11) 99373-0181 - verbena@verbena.com.br

 

 

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