segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Cia. de Teatro Heliópolis entra em cartaz com nova montagem "A Inocência do Que Eu (Não) Sei"

foto de Geovanna Gelan
Montagem calcada em pesquisas nas escolas da região de Heliópolis tem estética lúdica e poética. Evill Rebouças, indicado ao Prêmio Shell de 2013 por Maria Miss, assina a dramaturgia.

Com direção de Miguel Rocha e dramaturgia de Evill Rebouças, a Companhia de Teatro Heliópolis estreia no dia 22 de agosto, sábado, o espetáculo A Inocência do Que Eu (Não) Sei, na Casa de Teatro Maria José de Carvalho, bairro Ipiranga, às 20 horas. A temporada, que segue até o dia 4 de outubro, tem entrada franca.

O espetáculo é resultante do projeto Onde O Percurso Começa? Princípios de Identidade e Alteridade no Campo da Educação, que envolve uma intensa pesquisa teatral e de campo em três escolas públicas de Heliópolis, viabilizado pela Lei do Fomento ao Teatro Para a Cidade de São Paulo. O processo contou com a colaboração Alexandre Mate como provocador de teatro épico e de Carminda André como provocadora de teatro performático.

O enredo apresenta quatro trajetos que mostram os desejos e as contradições de pessoas em busca de aprendizagem: o Menino Rapaz que vence; a Feliz Mulher que se adapta; o Caminhante em busca do saber; e a Mulher que come maçãs. De modo poético e irônico a peça extrapola o universo escolar para discutir relações humanas mediadas por dispositivos de controle social e econômico.

Ainda que tenha o universo escolar como tema, a peça vai para além do caráter arqueológico encontrado em campo, pois traz para a cena personagens que vivem situações de aprendizado na vida. Assim chega à cena um painel que revela as humanidades de personagens. O diretor Miguel Rocha explica que “a experiência dos atores está em cena e mostra o que eles querem dizer ao mundo a partir do tema escolhido”.

O Menino Rapaz que vence (David Guimarães) é um jovem ingênuo que vive as primeiras experiências na escola. Seu perfil é o do garoto ‘certinho’ que passa a reproduzir os parâmetros sociais que vivenciou. A Feliz Mulher que se adapta (Klaviany Costa) registra fortes experiências diante das ‘pauladas’ e dos traumas vividos, restando-lhe apenas adaptar-se e moldar a sua personalidade para sobreviver em um sistema educacional perverso.

O Caminhante em busca do saber (Donizete Bomfim) é um andarilho que vem, provavelmente, do sertão nordestino. Ele entende sua vida mais pela experiência que pela educação formal. Seu pai, um homem simples, dizia-lhe que ‘precisava correr em busca do saber’. O percurso da Mulher que come maçã (Dalma Régia) não é apresentado somente pela dramaturgia da fala. São as ações que traçam sua trajetória e geram seu discurso. Nos “movimentos” dessa personagem o espectador se depara com as questões da mulher que tem sede pelo conhecimento popular em detrimento do conhecimento acadêmico.

A encenação usa de expedientes épicos e performáticos para construir as cenas aos olhos do espectador. Cada elemento apresentado tem como elo os “movimentos” seguintes de cada trajetória, sendo apresentados por códigos sonoros descritos, alternadamente, pelos atores. Evill Rebouças – que atuou em conjunto com a Cia. de Teatro Heliópolis desde a escrita do projeto - explica que escolheu apresentar a estrutura da peça como uma obra musical e seus vários movimentos. E ainda argumenta que a dramaturgia se apoiou nas questões propostas pelos atores, em suas provocações, juntamente com as importantes contribuições de partituras corporais e musicais de Lucia Kakazu e William Paiva, respectivamente. “O meu papel foi tecer narrativas e criar figuras que pudessem juntar as contribuições do coletivo, criando outras camadas estéticas e ideológicas para as ações soltas e fragmentadas que chegavam”.  

O cenário (de Clau Carmo) foi criado a partir da perspectiva do preto e branco, tendo como base um piso preto e um grande painel em quadro negro, além dos elementos de cena. Também assinado por Carmo, o figurino tem a proposta de trabalhar o caráter de uniformidade nas cores e nos modelos, deixando de lado as características individuais das personagens. Segundo Miguel Rocha, “A Inocência do Que Eu (Não) Sei propõe janelas para o espectador construir perspectivas próprias sobre o tema investigado, e para que isso aconteça foi necessário estabelecer lacunas na dramaturgia e na encenação”.

Ficha técnica

Espetáculo: A Inocência do Que Eu (Não) Sei
Criação em processo colaborativo
Com a Companhia de Teatro Heliópolis
Dramaturgia: Evill Rebouças
Direção: Miguel Rocha
Direção musical e preparação vocal: William Paiva
Elenco: Dalma Régia, David Guimarães, Donizete Bomfim e Klaviany Costa.
Músicos: William Paiva e Caio Madeira (piano), Marcos Mota e Fabio Machado (violoncelo) e Giovani Liberato (guitarra e sonoplastia).
Cenário e figurino: Clau Carmo
Iluminação: Toninho Rodrigues
Provocação - teatro épico: Alexandre Mate
Provocação - teatro performático: Carminda André
Colaboração no processo provocativo: Diego Marques (palestra/performatividade), Luciano Mendes de Jesus e Fabiana Monsalú (corpo) e Maria Fernanda Vomero.
Assistente de direção e preparação corporal: Lucia Kakazu
Direção de produção: Dalma Régia
Assistente de produção: Fabiana Josefa
Designer gráfico: Camila Teixeira
Assessoria de imprensa: Eliane Verbena

Serviço

Temporada: 20 de agosto a 4 de outubro
Local: Casa de Teatro Maria José de Carvalho
Endereço: Rua Silva Bueno 1533, Ipiranga/SP. Tel: (11) 2060-0318
Gênero: Drama. Duração: 90 min. Classificação: 14 anos
Ingressos: Grátis (retirar 1h antes das sessões)
Horários: sábados (às 20 horas) e domingos (às 19 horas)
80 lugares. Apresentações para escolas públicas: quintas e sextas-feiras – informações pelo telefone ou ctheliopolis@ig.com.br.
Não possui acessibilidade, estacionamento e ar condicionado.

Companhia de Teatro Heliópolis

A Companhia de Teatro Heliópolis surgiu no ano 2000, reunindo jovens da comunidade, sob direção de Miguel Rocha e apoio da UNAS (União de Núcleos e Associações de Moradores de Heliópolis e Região), com o objetivo de montar o espetáculo A Queda para o Alto, baseado no romance homônimo de Sandra Mara Herzer. Entre a primeira peça e os trabalhos mais recentes, foram 15 anos de conquistas, dificuldades e aprendizados. "O teatro que optamos fazer está em sintonia com nossas vidas, em profunda conexão com elas", afirma o diretor.

A companhia já realizou sete espetáculos, todos criados em diálogo com os anseios e as vivências que permeiam a realidade de Heliópolis. Depois de A Queda Para o Alto, vieram as peças Coração de Vidro (2004) e Os Meninos do Brasil (2007). Entre 2008 e 2009, com o patrocínio da Petrobras, foi iniciado o Projeto Arte e Cidadania em Heliópolis, visando o aprimoramento artístico dos jovens atores, que se constituiu de quatro fases (formação, pesquisa, criação e apresentação), com encontros diários e aulas dadas por profissionais convidados. O projeto teve três módulos e cada um resultou em um espetáculo: O Dia em que Túlio Descobriu a África (2009); Nordeste/Heliópolis/Brasil – Primeiro Ato (2011) e Um Lugar ao Sol (2013). Passaram pelo processo nomes como Silvana Abreu, Paulo Fabiano, Raquel Ornellas e Marcelo Lazzarato, entre outros. Nesse período, a companhia também montou a peça Eu Quero Sexo... Será que Vai Rolar? (2010).

Depois de várias formações, a Companhia de Teatro Heliópolis é formada hoje pelo núcleo central constituído por Dalma Régia, Davi Guimarães, Donizeti Bonfim dos Santos e Klaviany Costa, além do diretor Miguel Rocha, todos moradores da comunidade. Desde 2010, a trupe ocupa sede própria: a Casa de Teatro Maria José de Carvalho, um imóvel cedido pela Secretaria Estadual de Cultura e situado no Ipiranga, bairro vizinho a Heliópolis. Foi ali que a companhia recebeu o diretor Mike van Alfen, do grupo holandês MC Theater, formado por jovens descendentes de imigrantes, para uma série de workshops como parte de um intercâmbio artístico internacional. O projeto resultou no espetáculo A Hora Final, apresentado por atores brasileiros e holandeses na sede do MC Theater, em Amsterdã.

E, em comemoração aos 15 anos de sua trajetória, marcada pela resistência artística e pela perseverança, a companhia realizou, em agosto de 2015, a 1ª Mostra de Teatro em Heliópolis, com o objetivo de oferecer um panorama dos espetáculos criados por grupos periféricos que desenvolvem suas atividades em comunidades populares na cidade de São Paulo.

A Companhia de Teatro Heliópolis foi contemplada pela 25ª edição do Programa Municipal de Fomento ao Teatro para a cidade de São Paulo com o projeto Onde o Percurso Começa? Princípios de Identidade e Alteridade no Campo da Educação, com duração 12 meses, que resultou na montagem A Inocência do Que Eu (Não) Sei. Evill Rebouças foi o dramaturgista convidado; os pesquisadores Carminda Mendes André e Alexandre Mate, ambos do Instituto de Artes da UNESP, conduziram os ciclos de estudos teóricos com o grupo; Lúcia Kakazu e Wiliam Paiva foram responsáveis, respectivamente, pela preparação corporal e musical dos artistas.

Paralelamente ao atual trabalho, a companhia prepara outro espetáculo que tem como eixo central o medo. Inspirada em relatos e casos ocorridos em Heliópolis, também situados no contexto urbano em geral, a nova peça pretende evidenciar a questão da violência subliminar, aquela que não está visível, mas se mantém contínua e velada. 

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