Arapuca, xilogravura: EliseteAlvarenga |
Sob curadoria de Alcimar Frazão e Vanessa Raquel Lambert (do Núcleo da Imagem e da Palavra do SESC Belenzinho) e de Claudinei Roberto (artista plástico, arte-educador e curador do Ateliê Oço), esta edição da exposição reúne 118 obras de artistas que apresentam técnicas que aproximam a investigação da realidade e da linguagem. São eles: Elisete Alvarenga, Luciano Ogura, Mari Hirata, Mauricio Parra, Nilson Sato e Sidnei Amaral.
Estes artistas extraem sua matéria-prima das coisas que nos cercam e da vontade de edificar uma certa “poética do cotidiano”. Contrariando o clichê da paisagem como escapismo ou fuga ao idílio, eles apresentam-na como um estado de consciência. “O tema Paisagem propõe um recorte a partir de um ‘comportamento’ reflexivo do artista, de busca de qualidades, gerado de uma percepção profunda do mundo à nossa volta”, explica Alcimar Frazão. “Este estado de consciência é a forma como ele se apropria do conteúdo que está ao seu redor, pela observação e pela ressignificação das coisas, para criar a sua obra”, completa.
O projeto Risco do SESC Belenzinho prevê a realização de duas edições diferentes a cada ano. A primeira mostra ocorreu no primeiro semestre deste ano com o tema Arte Como Trabalho.
Risco 2 - Paisagem
O olhar atento ao detalhe e às qualidades insuspeitáveis das coisas que nos envolvem é uma das características ligadas à ação criadora. Esse desejo de ver além do que ali está, ou além do que obviamente ali está, enxergar a potência oculta nos objetos, nos gestos, nas palavras, possibilitou não apenas o surgimento das linguagens artísticas como a expansão contínua de suas fronteiras.
A segunda edição do projeto Risco volta-se à paisagem, buscando evidenciar na arte recente os processos e a vitalidade das tradições por eles revelada. As proposições poéticas e seus desdobramentos são apresentados partindo da rotina do trabalhador artista estimulado a investigar seu entorno e seu ofício, numa ação constante e sempre consciente, mescla de desejo, veículo de expressão e estado de alerta.
A atenção à paisagem sempre esteve presente na história da arte, embora, enquanto gênero histórico, apenas tardiamente tenha adquirido o interesse que a modernidade lhe conferiu. A inquietação impressionista, o realismo, e antes destes, toda pulsão romântica, encontram eco no princípio da criação artística enquanto processo de consciência profunda entre o sujeito e a realidade objetiva que o cerca. Essa postura de investigação, não raro culmina na apreensão dos objetos em suas qualidades, características mais ou menos evidentes ou diretas, que se amplificam e se reconstroem pelo olhar atento do criador, que toma o real pelas mãos para transformá-lo. Para além do gênero, essa busca pela paisagem é uma postura crítica e intelectiva diante do mundo.
É partindo dessa compreensão que se reúnem os artistas desse projeto. Para eles, a observação criteriosa do entorno, a realidade em sua complexidade, transparecem no fazer arte numa relação visceral com as linguagens que lhes dão corpo. O fazer desenha uma ação crítica contínua de aproximação e construção do real por meio da arte e em seu interior. Tomar a vida como ideia, por meio da qual dispositivos poéticos e de trabalho são acionados, culminando na criação, é a proposta.
Nilson Sato desenvolve uma investigação de certa ideia de cidade, e da crise que isso representa. Em seus trabalhos a urbe se apresenta como ausência; na falta dos equipamentos que lhe caracterizam, na solidão de seus personagens e nas composições que fragmentam o sujeito, seja pelo vazio de seus rostos, ou por seus olhares nulos. São composições que nos dizem do anonimato e da solidão surgidos da massificação dos padrões de comportamento e consumo, da paradoxal busca de identidade que resiste a esse alheamento. A cidade deixa de ser a residência do cidadão e se torna o espaço do consumidor, esse sujeito vazio e sem identidade. Nessa pintura, a pincelada e o gesto que lhe constrói estão apagados, interditando ao nosso olhar o processo da sua manufatura. Há nas imagens certa assepsia, esterilidade, em consonância com estes isolamentos urbanos que nos são estranhamente familiares e falam de nosso mal estar constante.
Luciano Ogura é um xilogravador cujo trabalho se desenvolve a partir de uma apropriação radical dos processos técnicos de sua linguagem. Seu trabalho é baseado na ressignificação do cotidiano pelos procedimentos da gravura. A especulação da paisagem e a investigação do fazer se igualam em importância e se fundem na obra. O desenho, em toda sua complexidade – a observação, o registro, a matéria trabalhada – surge como eixo norteador de um pensamento que tem nas trivialidades do dia a dia a força geradora que age diretamente na matéria/gravura. Tudo que nos cerca é assunto para o trabalho. Ogura é um investigador de qualidades. Sua gráfica são fragmentos do cotidiano, como de cães de rua, paisagens vistas pela fresta, recortes da cidade sem pompa.
A mesma cidade que se apresenta sem alarde para Luciano Ogura é motivo de reflexão para a artista Mari Hirata. De qual outro lugar do mundo sairiam seus desenhos? Onde colheria suas paisagens? Da memória, quem sabe? São talvez haikais visuais, formas concisas de poesia onde nenhum excesso pode ser admitido? Na obra dessa artista menos não é mais, menos é o suficiente. Daí sua escala. Os desenhos de Hirata remetem a um minimalismo conseguido a força de um pensamento solidamente constituído sob os desígnios de um projeto gráfico. Sua linha, processo de elaboração sutil da vida, é milimetricamente trabalhada, precisa. A artista contradiz o alvoroço urbano com delicadeza. Frente ao mal estar da cidade que nos engole, introduz um tempo/espaço novo, de espera e observação atenta. A leveza como forma de combate.
Mauricio Parra é um pintor radicalmente apegado aos saberes tradicionais de seu ofício. Nutre-se de um conhecimento sedimentado pela experiência histórica que lhe franqueia o caminho ao novo, muito distinto da novidade que o consumo deseja. Esse artista domina os rudimentos mais sofisticados da “cozinha” da pintura e investiga as potencialidades da sua arte partindo de motivos menos “heróicos”: um canto de parede, um desenho que a sombra recorta numa área alheia da arquitetura, é suficiente para a construção de uma imagem de poder transcendente. A paisagem é percebida apenas em pedaços, partes mais ou menos desconexas, embora fale sempre de um todo muito maior. Um todo que não é representação; é ideia, sentimento que não existia até que o artista lhe desse a forma. Em sua pintura existe um laivo de poética metafísica, de um tempo em suspensão, espesso, onde a apreensão exige do observador o mesmo estado de consciência exagerada que o pintor colheu na vida para transformar em arte.
O escultor Sidney Amaral lança mão de um procedimento similar de apropriação critica e criativa das coisas de seu entorno para elaborar um universo poético estranho e algo perverso. Questões de ordem existencial figuram em suas peças/coisas/criaturas, concebidas numa sobreposição de objetos triviais que somados e deslocados de seus contextos originais ecoam certa ironia fina, plena de sarcasmo, que desvela a crueza da situação do sujeito contemporâneo. É interessante, neste caso, observar que a matéria (bronze dourado), que o artista utiliza em seu processo de criação, surge igualmente para potencializar outra (o ouro), que está lá apenas como alusão. Essas figuras de linguagem que constrói, conceitual e materialmente, renegociam pela via do combate, o caráter aurático, mágico, da obra de arte, utilizando essa negociação como barganha para tecer a crítica, às vezes brincalhona, às vezes cruel, de nossas angustias, vontades dilaceradas, no universo contemporâneo da terceirização do desejo. Na escultura de Amaral percebemos, ainda que dolorosamente, que “nem tudo que brilha é ouro” e que nem todo ouro poderá nos salvar.
Elizete Alvarenga é uma artista que preza o processo e o trabalho, valoriza a pesquisa que aprofunda e conforma uma obra lastreada na experiência que o fazer confere e nas qualidades intrínsecas às suas ferramentas. Tanto quanto os demais artistas, sua sensibilidade ao mundo que a cerca define veículos onde seu discurso artístico será plasmado. De tacos soltos de madeira surge o desenho limpo, uma gravura construtiva que é, a rigor, organização espacial a partir das qualidades latentes deste material – seus veios, sua dureza – e das combinações cromáticas. O tecido e a linha se fundem num desenho bordado, não como uma exibição de destreza e habilidades manuais, mas uma imposição de certa vocação poética que elege um veículo a partir de uma linguagem. Como na gravura, seu desenho é soma de ideia e matéria. A linha - conceito abstrato - torna-se algo palpável, definidor de espaços e profundidades.
Exposição: RISCO 2 - Paisagem
Abertura: dia 29 de agosto – quarta-feira – às 20 horas
Temporada: de 30 de agosto a 2 de dezembro
Terça a sexta (10h às 21h30), sábado (10h às 21h) e domingos e feriados (10h às 19h30).
Acesso à exposição para visitação até 1h antes do fechamento do espaço.
1º pavimento. Livre. Grátis
SESC BELENZINHO - www.sescsp.org.br/belenzinho
Endereço: Rua Padre Adelino, 1000
Belenzinho – São Paulo (SP) - Tel: (11) 2076-9700
Estacionamento: R$ 6,00 (1ª hora) + R$ 1,00 p/ hora - (não matriculado); R$ 3,00 (1ª hora) + R$ 1,00 p/ hora - (matriculado no SESC).
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