quarta-feira, 13 de agosto de 2014

O Tempo E O Branco: uma dança rara no colo da poesia

fotos de Alessandra Fratus 
Em seu novo CD Consuelo de Paula visita o universo poético de Cecília Meireles.
Como quem cria um pássaro inquieto, Consuelo sabe que as canções têm destino de mundo, têm sina de rio, de vento, de coisas que não param, que saem de casa para abraçar outras fronteiras e gerar novas sinfonias.
Com seu novo trabalho, O Tempo E O Branco, Consuelo de Paula conclui mais uma fase de sua obra autoral. Este é seu sexto registro fonográfico, mas pode ser considerado outro momento de uma única obra, uma obra que conversa entre si e com o mundo. Aqui a poesia se revela ainda mais generosa e ousada, inaugura outros ares, propõe um novo baile.
Provocada pelo universo poético de Cecília Meireles – que aqui entra como inspiração livre – Consuelo constrói canções que mais uma vez surpreendem o ouvinte pela leveza quase insondável de seu lirismo; coloca sua sensibilidade própria, livre, a serviço da arte, o que acaba por lhe exigir rigoroso apuro interno para descobrir as palavras certas no momento de articular sentimentos, ritmos, tons, o claro e o escuro, a ave e o vento, a pedra e o rio, o espaço e o tempo. Cecília e Consuelo, duas experiências distintas, e em cada uma delas se detecta a mesma obsessão: a de escavar o verso e, com ele, incitar o vício sadio e necessário da emoção.
O CD O Tempo E O Branco traz treze canções - as letras e duas melodias são de Consuelo e as outras melodias são de Rubens Nogueira (1959-2012) - e encerra a rica parceria entre esses dois artistas, parceria essa que marca a música contemporânea brasileira. O equilíbrio perfeito desse CD chega com a escolha dos instrumentos: acordeom e viola. Versos cheios de asas encontram pouso nas teclas pretas e brancas do acordeom; melodias que parecem rios encontram terra no som da viola; a voz precisa, plena e inexplicável de Consuelo passeia pelos arranjos com as belas harmonias assinadas por Toninho Ferragutti e Neymar Dias. O resultado é uma obra impecável. Os ritmos parecem soar de um baile iniciado no centro do Brasil rumo às fronteiras, passando por terras, serras, cordilheiras, rios, atravessando mares, fazendo árvores e tecendo um bordado que é único, iniciado em Samba, Seresta e Baião, seguido por Tambor e Flor, Dança das Rosas, Casa e Negra.
Em O Tempo E O Branco seu estilo e sua forma de expressão são mais uma vez reveladores da sua exigência e despojamento humanos: deixarei poesia pra antonio e maria/ testamento de artista escrito com sonhos/ deixarei passagens pra becos e lagos [...] e vou morrer de cantar/ morrer de cantar! Esse é o legado de alguém que se dedica com orgulho e paixão à sua sina de artista, mesmo quando esta se apresenta com a aspereza de uma fruta agreste/ [como uma] palavra amarga, pois Consuelo não faz da arte mera profissão, ao contrário, a traz estampada no rosto, nas marcas do corpo, na excepcional consciência de si. E é como uma prisioneira da arte que ela traduz vivências, lembranças, acontecimentos, sensações, e transforma a banalidade da vida em extraordinária experiência: um barco eu fiz/ um barco em flor/ no meio da imensidão/ [...] há tanto mar desconhecido em meu coração/ essa canção é só pra gente sempre se encontrar. O Tempo E O Branco: um CD para se ouvir um milhão de vezes e ainda descobrir novos mistérios a cada audição. O Tempo E O Branco: o poema-canção como um antídoto num mundo que caminha entre desertos.

O Tempo E O Branco – as canções

Consuelo de Paula abre O Tempo E O Branco com a canção “Revoada” – anjos do mês de maio/ vestido branco ... mas, ainda se pode ouvir a música/ meu colo espera seus versos/ minha mão espera seus pássaros – em resposta à indagação ceciliana: “para onde é que vão os versos que às vezes passam por mim como pássaros libertos?” A melodia de Rubens Nogueira desenha muito bem os diferentes movimentos dessa letra, que une o lirismo das duas poetas às tradições mineiras, que nos transporta ao interior e ao litoral ao mesmo tempo. Um belo momento da conversa imaginária entre Consuelo e Cecília. E Consuelo arremata com a linda frase: sua poesia me visita e me abandona.  Em seguida, “À Flor do Arco-Íris” fala do próprio ofício de cantar, da própria arte. A voz de Consuelo de Paula, acompanhada pelo acordeom de Toninho Ferragutti e pela viola de Neymar Dias, entoa uma das mais belas melodias do CD: ave de asas brancas e canto claro/ gota de água caindo na folha do dia...

A terceira faixa, “O Meu Lugar”, foi escolhida para o vídeoclip do CD (vídeo de Alessandra Fratus). A própria Consuelo gravou imagens em sua cidade natal, em Minas Gerais, entre as árvores plantadas por seu pai, Luiz Gonzaga de Paula. A próxima faixa, “Entre Desertos”, nos traz outra sensação de lugar, e foi provocada pelo verso “falar contigo pelo deserto” (CM). E ampliando a nossa percepção de espaço, a quinta música, “Entre o Céu e a Terra” nos diz: gosto da minha asa pelo peso que oferece/ mesmo quando pousa, avoa/ como quem se esquece/ mesmo assim distraída, alcança/ vive entre o azul e o nada...

O disco segue com “Timbre” (letra e melodia de Consuelo), provocada pelo poema “A Vizinha Canta” (CM). É uma canção de forte presença, marcada pela célula rítmica do arranjo de Ferragutti e Neymar, que conduz o ouvinte à dança. A interpretação da cantora traz aqui a faca e a flor. No centro do disco, a sétima música, “Arte”, expressa os contrastes que a artista criou em sua trilogia autoral (Casa, Negra, O Tempo E O Branco) - um momento de rica harmonia!  “Outro Lugar” abre a segunda parte do CD O Tempo E O Branco com uma canção que invoca as levezas do mundo. Foi inspirada no títuloPela flor amarela viajaremos” (CM). E “Luzia” foi escrita após a leitura de “Lua Adversa” (CM). Consuelo cria um rico personagem e escreve mais um primoroso verso: o amor de luzia/ a vida luzia.

Deve haver música em seus dedos/ um barco que navega ao longe, canta Consuelo... um grito de cigarra esperançosa/ um ramo, um aceno, um pedido/ o amor atravessando o tempo. “Cecílias e Dálias”, a décima faixa, sugere o que está presente em toda a obra: a experiência do tempo. “Sincera” (letra e melodia de Consuelo) recebeu um expressivo arranjo que reafirma “a extensão do abraço que esse CD propõe” – diz a autora. “Testamento” faz um contraponto com “Herança” (CM). Existe um registro do Rubens Nogueira cantando essa canção no YouTube (https://www.youtube.com/watch?v=qrBgxNPP0Uc): ...deixarei poesia para antônio e maria/  testamento de artista escrito com sonhos/ deixarei passagens para becos e lagos .../ estive aqui somente por causa do amor/ e deixo a minha vontade de te dizer outras palavras, palavras...

O Tempo E O Branco começa com “Revoada” e termina com “Asa Ritmada”, canção provocada pelo mais popular poema de Cecília Meireles, “Motivo”: “eu canto porque o instante existe, e a minha vida está completa, não sou alegre nem sou triste, sou poeta ... tem sangue eterno a asa ritmada”. Consuelo fecha esse voo pelo tempo e pelo branco, pelo recomeço e pela alegria, com a sua asa ritmada. A voz revela o caminho de quem se surpreende e se supera artisticamente a cada novo trabalho: ...recomecei por causa de um ramo de acácia/ e vou morrer de cantar...

O Tempo E O Branco / Distribuição: Tratore
Preço sugerido: R$ 29,00
Informações - artista e seus discos, clipe/movo CD, áudios, redes sociais e loja virtual: www.consuelodepaula.com.br

Consuelo de Paula - perfil

 “Falar de Consuelo de Paula é falar da essência da música em total plenitude” (Zarife Fadul, Jornal do Sudoeste - MG). Sua expressão artística é marcada por profunda coerência, sensibilidade e dedicação aos elementos da cultura musical brasileira, com tudo o que ela tem de particular e de universal, de modo à sempre nos colocar diante de algo novo, inusitado e surpreendente. Com uma trajetória singular, Consuelo se apresenta como herdeira da arte musical brasileira e mantém compromisso com a contemporaneidade, compromisso esse expresso na maneira inovadora de interpretar, compor e dirigir sua própria obra. Elegância e inspiração popular, cuidado e erudição no modo de apresentar sua arte, originalidade e equilíbrio entre a força e a delicadeza, são elementos constantes em sua obra, o que lhe tem assegurado profunda admiração e reconhecimento do público e da crítica especializada. 

Consuelo é cantora, compositora, poeta, diretora artística e produtora musical de seus próprios trabalhos. Samba, Seresta e Baião (1998), Tambor e Flor (2002), Dança das Rosas (2004), seus três primeiros discos, considerados referências pela crítica, estão articulados a partir de uma unidade conceitual que compõem uma trilogia. Em 2008, foi produzida e lançada no Japão a coletânea Patchworck com os três álbuns, resultado do destaque recebido por sua obra na capa do Guia Brasilian Music (Massato Asso), que selecionou os 500 melhores CDs da música brasileira. Em 2011, Consuelo lançou seu primeiro livro A Poesia dos Descuidos (poesia de Consuelo e cartões de arte de Lúcia Arrais Morales) e também o seu primeiro DVD, Negra, gravado ao vivo no Teatro Polytheama de Jundiaí. O DVD Negra, dirigido por Elias Andreato, traz canções de Consuelo com vários parceiros, entre eles Dante Ozzetti e Vicente Barreto, e algumas interpretações personalíssimas de outros autores.  Em 2012 lançou o CD Casa com a Orquestra À Base de Corda de Curitiba; as canções de Consuelo de Paula e Rubens Nogueira receberam arranjos de nomes como Chico Saraiva, Weber Lopes, Luiz Ribeiro e João Egashira, entre outros.

Ao longo de sua trajetória a artista tem participado de diversos projetos culturais e de programas conceituados como: Ensaio (direção Fernando Faro), TV Cultura de São Paulo; Talentos (Giovani Souza), TV Câmara de Brasília; A Voz Popular (Luís Antônio Giron), Rádio Cultura de São Paulo; Letra e Música (Pascoale Cipro Neto); Contacto Brasil, Rádio Jazz, Venezuela; e Club Brasil (Juan Trasmonte), Buenos Aires. Já fez shows em grandes teatros como o Gran Rex de Buenos Aires (Noites Brasileiras, com Naná Vasconcelos), Theatro Municipal de São Paulo, Itaú Cultural, CCBB-SP (ao lado de Rolando Boldrin, Chico Pinheiro e Heródoto Barbeiro), CCBB Brasília (com artistas da Ilha da Madeira e do Timor Leste), SESCs paulistas, além de capitais como Curitiba, Fortaleza, Recife, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Velho, Rio Branco, Manaus, Palmas, Cuiabá, Campo Grande, Goiânia e diversas outras cidades, algumas delas pelo Projeto Pixinguinha da FUNARTE.

Consuelo participa também de importantes CDs e DVDs: Senhor Brasil (cantando ao lado de Rolando Boldrin); Prata da Casa (SESC SP); Divas do Brasil - Disco de Prata em Portugal - que reúne cantoras como Elis Regina, Maria Bethânia, Céline Imbert, Bebel Gilberto, Zizi Possi e outras; e Cachaça Fina (Spirit of Brazil). Ela também assina o roteiro do CD Velho Chico - Uma Viagem Musical, de Elson Fernandes, no qual interpreta a canção “O Ciúme”, de Caetano Veloso, considerada a “gravação definitiva” pelo crítico Mauro Dias, no jornal O Estado de São Paulo. Sua canção “Sete Trovas”, parceria com Rubens Nogueira e Etel Frota, foi gravada por Maria Bethânia no premiado CD Encanteria e no DVD Amor, Festa e Devoção.

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