segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Montagem poética da Cia. de Teatro Heliópolis fala de medo e violência em ambiente sensorial

Fotos de Gustavo Guimarães Gonçalves
A Companhia de Teatro Heliópolis estreia o espetáculo Medo no dia 12 de março, sábado, na Casa de Teatro Maria José de Carvalho, às 20 horas. A encenação, que fala de medo, baseia-se nos atentados de 2006 da cidade de São Paulo e traz consigo a memória de mulheres que perderam seus filhos, usando a carga semântica do casarão de três níveis, que é a sede da companhia, no bairro do Ipiranga.

Com direção e concepção de Miguel Rocha e texto de Gustavo Guimarães Gonçalves, a montagem conduz o espectador por diferentes espaços físicos e sensoriais, pela casa onde viveu a pianista, cantora e ativista cultural Maria José de Carvalho. Envolvidos por uma atmosfera nebulosa, onde nada se revela totalmente, o público (de no máximo 15 pessoas) acompanha a encenação de oito atores ao mesmo tempo em que seus sentidos são estimulados pelas instalações e sensações provocadas pela escuridão ou pelas luzes, pelas cores, pelos sons ou pelo silêncio.

O diretor explica que os fragmentos das memórias ocorrem em tempos diferentes, mas caminham paralelamente possibilitando que os tempos (passado, presente e futuro) sejam apresentados de forma nebulosa como costuma ser nossas lembranças. A encenação de Miguel Rocha mergulha com lirismo na subjetividade de fatos que deixaram marcas e que retornam com frequência de formas diferentes. “Abordamos o efeito do medo que nos torna refém de uma situação, de uma lembrança. E quando tratamos do medo da violência esse efeito fica ainda mais latente, pois nos grandes centros estamos sempre expostos a situações de risco.” comenta.

Na encenação de Medo não há rupturas entre as cenas. Todo o trajeto pelos ambientes da casa é contínuo e sensorial. O medo está contido na penumbra desse caminho, na ausência, na insegurança envolta pela névoa impalpável que geralmente perpassa nossas memórias; a violência não é explicita, está condicionada ao que cada espectador sente. Segundo Miguel Rocha, “o espetáculo não pretende contar histórias, mas mostrá-las de forma poética através do campo das sensações".

Para criar um ambiente consonante com o medo presente na peça e que ressoe nos espaços da Casa, a companhia desenvolveu ambientes em tons de preto e cinza, e uma iluminação em tonalidades claras e escuras, para remeter ao estado de penumbra, explorando as possibilidades de sombras, vulto e becos.

Ficha técnica

Concepção e encenação: Miguel Rocha
Texto: Gustavo Guimarães Gonçalves
Elenco: Alex Mendes, Dalma Régia, Francyne Teixeira, Gustavo Rocha, Janete Rodrigues, Klaviany Costa, Lucas Ramos e Walmir Bess.
Instalação cênica: Samara Costa e Pinturas de Isabelle Benard
Figurino: Samara Costa
Iluminação: Toninho Rodrigues, Rodrigo Alves e Miguel Rocha
Sonoplastia: Giovani Breissanin
Sonorização: Giovani Breissanin e Lucas Breissanin
Assessoria de imprensa: Eliane Verbena
Designer gráfico: Camila Teixeira
Realização: Companhia de Teatro Heliópolis

Serviço

Espetáculo: Medo
Estreia: 12 de março. Sábados, às 20h
Casa de Teatro Maria José de Carvalho
Endereço: Rua Silva Bueno, nº 1533, Ipiranga/SP. Tel: (11) 2060-0318
Temporada: 12 de março a 8 de maio
Horário: sábados e domingos, às 20h
Ingressos: R$ 20,00 (meia: R$ 10,00) - Somente com agendamento pelo ctheliopolis@ig.com.br. 
Duração: 70 minutos. Gênero: drama. Classificação: 14 anos
Capacidade: 15 pessoas. Aceita somente dinheiro. Não possui acessibilidade.

Companhia de Teatro Heliópolis

A Companhia de Teatro Heliópolis surgiu no ano 2000, reunindo jovens da comunidade, sob direção de Miguel Rocha com o objetivo de montar o espetáculo A Queda para o Alto, baseado no romance homônimo de Sandra Mara Herzer. Entre a primeira peça e os trabalhos mais recentes, foram 16 anos de conquistas, dificuldades e aprendizados. "O teatro que optamos fazer está em sintonia com nossas vidas, em profunda conexão com elas", afirma o diretor.

A companhia já realizou sete espetáculos, todos criados em diálogo com os anseios e as vivências que permeiam a realidade de Heliópolis. Depois de A Queda Para o Alto, vieram as peças Coração de Vidro (2004) e Os Meninos do Brasil (2007). Entre 2008 e 2009, com o patrocínio da Petrobras, foi iniciado o Projeto Arte e Cidadania em Heliópolis, visando o aprimoramento artístico dos jovens atores, que se constituiu de quatro fases (formação, pesquisa, criação e apresentação), com encontros diários e aulas dadas por profissionais convidados. O projeto teve três módulos e cada um resultou em um espetáculo: O Dia em que Túlio Descobriu a África (2009); Nordeste/Heliópolis/Brasil – Primeiro Ato (indicado ao Prêmio Cooperativa Paulista de Teatro 2011, categoria Grupo Revelação) e Um Lugar ao Sol (indicado ao Prêmio Cooperativa Paulista de Teatro 2013, categoria Grupo Revelação, e Prêmio de 3º Melhor Espetáculo e Melhor Atriz no IX Festival Nacional de Limeira).

Com a remontagem do espetáculo O Dia em que Túlio Descobriu a África ganhou o Prêmio Cooperativa Paulista de Teatro 2012 na categoria Ocupação de Espaço. Passaram pelo processo nomes como Silvana Abreu, Paulo Fabiano, Raquel Ornellas e Marcelo Lazzarato, entre outros. Nesse período, a companhia também montou a peça Eu Quero Sexo... Será que Vai Rolar? (2010).

Depois de várias formações, a Companhia de Teatro Heliópolis tem núcleo central constituído por Dalma Régia, David Guimarães, Donizete Bomfim e Klaviany Costa, além do diretor Miguel Rocha, todos moradores da comunidade. Desde 2010, a trupe ocupa sede própria: a Casa de Teatro Maria José de Carvalho, um imóvel cedido pela Secretaria Estadual de Cultura e situado no Ipiranga, bairro vizinho a Heliópolis. Foi ali que a companhia recebeu o diretor Mike van Alfen, do grupo holandês MC Theater, formado por jovens descendentes de imigrantes, para uma série de workshops como parte de um intercâmbio artístico internacional. O projeto resultou no espetáculo A Hora Final, apresentado por atores brasileiros e holandeses na sede do MC Theater, em Amsterdã.

O grupo - que se tornou Ponto de Cultura (Programa Cultura Viva no Município de São Paulo) – comemorou, em 2015, 15 anos de trajetória, marcada pela resistência artística e pela perseverança, quando realizou a 1ª Mostra de Teatro de Heliópolis, em parceria com MUK Produções e Ação comunitária Nova Heliópolis com o apoio do ProAC. A mostra traçou um panorama dos espetáculos criados por grupos periféricos que desenvolvem suas atividades em comunidades populares de São Paulo.

Em 2015, a Companhia de Teatro Heliópolis foi contemplada pela 25ª edição do Programa Municipal de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo com o projeto Onde o Percurso Começa? Princípios de Identidade e Alteridade no Campo da Educação, que resultou na montagem A Inocência do Que Eu (Não) Sei. A peça recebeu duas indicações ao Prêmio São Paulo de Incentivo ao Teatro Infantil e Jovem nas categorias Melhor Espetáculo Jovem e Prêmio Especial (pelo teatro comprometido com a comunidade de Heliópolis e a pesquisa temática em escolas públicas). Evill Rebouças foi o dramaturgista convidado; os pesquisadores Carminda Mendes André e Alexandre Mate conduziram os ciclos de estudos teóricos com o grupo. Em 2016, estreia o espetáculo Medo, que evidencia a questão da violência subliminar, aquela que não está visível, mas se mantém contínua e velada. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário