Fotos - DON Fernando |
A Cia. Teatro do Incêndio
estreia no dia 11 de julho (sábado, às 20 horas) o espetáculo Pano
de Boca, obra emblemática de Fauzi Arap (1938-2013) escrita 40
anos atrás. Com direção de Marcelo Marcus Fonseca a peça retrata a implosão de um grupo de teatro após seus
integrantes ultrapassarem todos os limites entre arte e vida.
A peça tem participação especial de José Celso
Martinez Corrê dando voz a texto da escritora russa Helena Blavatsky sobre
o autoconhecimento e a libertação interior.
A peça, que teve sua última encenação
em 1976, foi autorizada pelo autor, antes de sua morte, para montagem do
diretor Marcelo Marcus Fonseca. A encenação também faz uma “releitura” do
cenário e dos figurinos criados por Flávio Império (1935-1985),
homenageando duas das maiores personalidades do teatro brasileiro, cuja
parceria criativa é considerada inigualável nas artes cênicas.
Fonseca explica que Pano de Boca
questiona o que é o teatro e qual a sua essência, tanto do ponto vista real
quanto do ponto de vista do personagem. O debate gerado sobre a criação humana, a relação entre
divino e terreno, trata da difícil tarefa de manter o equilíbrio em um mundo
dominado por valores distorcidos.
“Pano de Boca traz
a única discussão oportuna nos tempos atuais sobre a criação, o teatro e a
espiritualidade em um tempo onde a esquizofrenia é gerada pela velocidade,
atirando o homem no abismo da disputa pelo sucesso, do isolamento, da poluição
sonora, da intolerância”. E completa o
diretor: “Acredito que para o teatro atual, para a juventude que procura o
teatro, para nós artistas, que lutamos pela sobrevivência de um teatro mais sagrado que
político-partidário, esse texto é urgente e necessário, quando toca na ferida
com a delicadeza de uma Clarisse Lispector”.
Em um plano não realista, a peça trabalha
com a questão do conceito de criação e, mesmo em seu plano realista, ela
depende do metafísico para ser entendida. O texto de Fauzi Arap quer aproximar
o expectador da cabeça do autor no momento da criação. Ele, portanto, trata o
teatro como alquimia: Pano de Boca é bem mais uma experiência do que
simplesmente uma história.
O enredo
O texto é estruturado em três planos. No
primeiro, dois personagens indefinidos, palhaços inacabados, reclamam vida
dentro da cabeça de um autor em crise. No segundo, uma atriz (Gabriela Morato ) dialoga
com alguém que não se vê sobre os acontecimentos que motivaram a desintegração
de um grupo. E no terceiro, o próprio grupo tenta reabrir o teatro abandonado
em uma reunião convocada por alguém não identificado. A peça se funde em uma
discussão sobre a criação, a exclusão e o sagrado no teatro. Os atores
transitam por linguagens diferentes como o realismo, o circo e um quase
surrealismo, diferenciando os três planos aparentemente distintos do texto, que
fluem para um caminho único.
Os palhaços - Pagão (Marcelo Marcus Fonseca) e Segundo
(Francisco da Silva) - são como duas forças lutando para existir como personagem, que
discutem com o autor. “Eis a metáfora: a crise do autor na criação e a
discussão com Deus, com o poder criativo. O autor, que nunca aparece em cena,
tenta reconstruir algo, enquanto todos os personagens da peça estão diante de
uma esfinge, que pode ser um mistério maior do teatro, da vida. Ela pode
simbolizar o medo, que pode ser o mero medo de existir”. Argumenta o diretor.
Os palhaços, representando o poder e também a
fragilidade da criação, fazem o contraponto com realidade da arte na vida do
ator. Palhaço canastrão, Pagão é matéria quase bruta, ele emana uma energia
mais violenta, mostra-se com pouca sensibilidade, mas ganha contornos humanos
na “vida”. Já o palhaço Segundo tem
trejeitos miúdos, é sensível, e sua sensibilidade é atacada e violentada
o tempo todo, colocando sua existência em risco. Ele propõe uma reflexão sobre
como o personagem pode se afirmar, revidar nos embates para sobreviver, pois
pode se perder completamente se for exposto ainda inacabado.
No plano da realidade, os integrantes do grupo de
teatro têm um encontro marcado, que se emenda com o plano - real e espiritual -
da mulher. Essa mulher conversa com alguém, que pode ser qualquer um. Seu
espaço é indefinido, sua alma está em descoberta, sua narrativa conduz ao
entendimento sem ser conclusiva: ela tenta compreender suas questões e, ao
mesmo tempo, não consegue as respostas que procura.
No grupo de teatro houve afastamento; um desregramento
que ultrapassou qualquer contorno pessoal. Os integrantes não conseguem se
comunicar. Chamados para uma reunião no antigo espaço da companhia, eles se
veem trancados e cercados por um clima de mistério. Sem fazer de conta que nada
aconteceu eles são obrigados a encarar o passado para seguir em frente e
descobrem que não há como negar o outro, pois a saída é de todos. Na metáfora de
Fauzi Arap está dificuldade de reconstruir o que se quedou. Inclusive, um dos
personagens, Pedro, foi inspirado na história verídica de Samuca, jovem ator do
Grupo Oficina, nos anos 70, que enlouqueceu e parou de falar em consequência do
uso abusivo das drogas. A
recusa da palavra (recurso mais expressivo do ator) foi usada pelo autor de
forma ambígua, também como alegoria da situação do teatro diante da censura
política que existia na época.
Cenário, figurino e trilha sonora
O Cenário (de Marcelo Marcus Fonseca) e o figurino (de
Gabriela Morato )
foram livremente inspirados nos originais de Flávio Império, da montagem de
Fauzi Arap, de 1976. Marcelo e Gabriela mergulharam em desenhos, fotos e
anotações da época para “recriar” a estética de Império. O figurino é
atemporal; em modelos, tons e cores que harmonizam com estado de espírito dos
personagens.
Todo o teatro de “pernas para o ar” é a cenografia de Pano
de Boca. Tecidos e poltronas estão pendurados no teto. “É como se o espaço fosse
sacudido por um terremoto que fez brotar do chão as bases e essências do teatro
brasileiro”, comenta o diretor e cenógrafo. Pelo espaço estão espalhados objetos
cênicos significativos de dezenas de grupos paulistanos, doados especialmente
para a peça. Assim, Pano de Boca representa a história de todas as
companhias, a energia do próprio teatro.
A trilha incidental, criada durante
os ensaios, é executada por atores que não participam como personagens da cena
em questão, fazendo da música (e do músico) também um elemento estético e
cenográfico.
Pano de Boca - história
Pano de Boca teve sua primeira montagem em 1975, no Rio de Janeiro
com Marco Nanini e Thaia Perez no elenco. Em São Paulo, em 1976, a montagem do próprio
Fauzi Arap foi estrelada por Nuno Leal Maia e Célia Helena, tendo Flávio
Império na criação do cenário e do figurino. A estreia ocorreu no extinto
Teatro 13 de Maio, na mesma rua do Bixiga onde a Cia. Teatro do Incêndio
inaugura sua nova sede, exatamente com a mesma peça.
“Tive o primeiro contato com essa peça aos
16 anos e ela se tornou o meu livro de cabeceira. Foi
Fauzi Arap também quem me encorajou e incentivou a começar a dirigir, aos 22
anos, e me ensinou a olhar de forma diferente para os atores”, comenta Marcelo
Fonseca. Ele ainda conta que, em 1998, buscou em vão recursos para montar a
peça; foi quando Fauzi e ele tiveram a ideia de reeditar o cenário de Império.
Em 2014, a
antiga sede do Teatro do Incêndio teve como primeira atividade uma leitura
interna de Pano de Boca. “Sentimos nossas vidas como um teatro de pernas
para o ar, procurando sentido na reafirmação do poder da palavra, tão perdida
em experimentos estéticos vazios à nossa volta, onde o humano é misturado no
mesmo caldeirão das ideologias e máquinas”, comenta o diretor.
Fauzi Arap
Fauzi Arap se
formou em engenharia civil, mas começou a se dedicar ao teatro já no fim
dos anos 50, como ator. Participou da fase amadora do Teatro Oficina e integrou a primeira montagem profissional do
grupo: A Vida Impressa em Dólar, com texto de Clifford Odets e direção de José Celso Martinez Corrêa,
em 1961. Pelo seu desempenho,
recebeu os prêmios Saci e Governador do Estado de melhor ator coadjuvante. No
mesmo ano, atuou em José do Parto à Sepultura, de Augusto Boal, com direção de Antônio Abujamra. Atuou também em
montagens do Teatro de Arena, como A Mandrágora, de Maquiavel, em 1962.
Estreou como
diretor, em 1965, levando ao palco o texto Perto do Coração
Selvagem, adaptado da obra de Clarice Lispector. Em 1967, dirigiu Dois Perdidos Numa Noite Suja,
de Plínio Marcos, dividindo o
palco com Nelson Xavier. No ano seguinte,
foi convidado por Tônia Carrero para dirigir Navalha na Carne,
também de Plínio Marcos. Como diretor, apresentou ao público autores como Antônio Bivar (Abre a Janela e Deixa Entrar o Ar Puro e o
Sol da Manhã, em1968) e José Vicente (O Assalto, 1969).
Também dirigiu
shows musicais de artistas como Marlene. Ajudou a
projetar Maria Bethânia, dirigindo o seu
primeiro show, Rosa dos Ventos, de 1971. Em 1975, estreou como autor, com a peça Pano de
Boca. Dois anos depois, recebeu o Prêmio Molière de melhor
autor por O Amor do Não. Em 1983, conquistou o Prêmio Mambembe de Melhor
Autor por Quase 84. Trabalhou também como terapeuta voluntário
na Casa das Palmeiras, centro
psiquiátrico anticonvencional, dirigido por Nise da Silveira. Publicou em 1998 a sua autobiografia, Mare Nostrum -
Sonhos, Viagens e Outros Caminhos.
Ficha técnica
Espetáculo:
Pano de Boca
Texto:
Fauzi Arap
Direção: Marcelo Marcus Fonseca
Cenário: Marcelo Marcus Fonseca
Figurino: Gabriela Morato
Realização e produção: Cia. Teatro
do Incêndio
Trilha sonora original: Bisdré Santos
Iluminação: Rodrigo Alves
Espaço cênico: Antonio Rodrigues
Cenário: Marcelo Marcus Fonseca (a partir da obra de Flávio império)
Figurinos e adereço: Gabriela
Morato (a partir da obra de Flávio Império)
Voz da Esfinge (áudio) - José Celso
Martinez Correa
Produção geral: Gabriela
Morato
Arte gráfica: Gustavo Oliveira
Fotografia e registro: Don Fernando
Operação de luz: Valcrez Siqueira
Operação de som e Projeção: Bisdré Santos
Assitente de direção: Vinicius Árabe
Assistente de iluminação e Espaço cênico: Valcrez Siqueira
Assistente de figurino e adereço: Francisco Silva , Elena
Vago e Sergio Ricardo
Assistente de produção: Elena Vago
Assistente de produção executiva: Victor Dallmann
Assistente de registro: Luciana Fernandes e Frederico Meneses
Técnico responsável: Antonio Rodrigues
Bilheteria: Elena Vago, Luciana Fernandes e Cia. Teatro do Incêndio
Administração: Gabriela
Morato
Assistente de administração: Francisco Silva
Realização: Cia. Teatro do Incêndio
Elenco/personagens: Gabriela
Morato (magra), Marcelo Marcus Fonseca (Pagão), Daniel Ortega
(Paulo), Josemir Kowalick (Zeca), Francisco da Silva (Segundo), Gustavo
Oliveira (Marco), Rebeca Ristoff (Ana), Victor Dallmann (Pedro) e Ana Beatriz
Pereira (Tássia)
Serviço
Estreia:
11 de julho. Sábado, às 20 horas
Teatro
do Incêndio
Rua 13 de Maio, 53 – Bela Vista/SP. Tel: (11) 2609-3730 / 2609-8561
Horários:
sábados (20 horas), domingos (18 horas) e segunda (20 horas)
Temporada:
de 11 de julho a 14 de setembro
Gênero:
Drama. Duração: 120 min. Classificação etária: 16 anos.
Ingressos: R$ 5,00
(preço único). Bilheteria: 2h antes
Aceita dinheiro e
cartão de débito. Capacidade: 75 lugares.
Venda
online: https://www.facebook.com/teatrodoincendio
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