Cia Artehúmus de Teatro
subverte o espaço da representação para proporcionar ao público uma relação de
experiência mais íntima com os personagens.
Após temporada de
sucesso de crítica e público no Sesc Consolação, o espetáculo O Desvio do
Peixe no Fluxo Contínuo do Aquário, concebido e dirigido por Evill
Rebouças, reestreia no dia 11 de novembro, terça-feira, no Teatro
do Incêndio, às 20 horas. A peça aborda as relações de isolamento e aproximação entre pessoas que
vivem sob o mesmo teto, fala da solidão
provocada pela individualidade exarcebada.
A ambientação da
montagem da Cia Artehúmus de Teatro envolve o espectador logo na entrada
do teatro, marcada por uma luz fraca que sugere proximidade. Os cômodos são
separados por uma planta baixa e demarcados por abajures; nos quartos,
observamos cadeiras e pequenos armários de aço escovado brilhante; e o peixe
Tom nada sozinho em um aquário de 1,80m por 1,20m, em aproximadamente 100 litros de água.
Segundo Evill Rebouças, “o peixe Tom faz lembrar a impotência, o isolamento e a
pequenez do indivíduo na grande metrópole”.
Indicado, entre outros, ao Prêmio
Shell de 2013 por Maria Miss (adaptação da obra de
Guimarães Rosa) e vencedor do prêmio APCA (2002 e
2006), o diretor, dramaturgo e ator Evill Rebouças concebeu uma
encenação, na qual atores buscam uma cumplicidade direta com o espectador ao
mergulhar em temas como convivência, qualidade das
relações, individualidade e interação social. Durante um ano, a companhia foi a
campo, literalmente, para ver de perto como as pessoas se relacionam nos dias
de hoje: albergues, conjuntos habitacionais e condomínios de luxo foram
visitados. Além de observar a interação entre os moradores, o grupo entrevistou
diversas pessoas para criar personagens que sigam protocolos comuns à nossa
época.
“Em alguns condomínios
de luxo os moradores recebem encomendas por caixa postal para não terem seus
nomes revelados, enquanto que em um conjunto habitacional popular as pessoas
deixam as portas abertas para os vizinhos entrarem. Nos albergues, onde muitas
pessoas ficam juntas, há uma solidão imensa, pois ninguém ali se conhece
realmente. Foi a partir de observações desses padrões que criamos os
personagens da peça”, conta Evill.
A encenação
As histórias dos cinco
personagens de O Desvio do Peixe no Fluxo Contínuo do Aquário são
complementares. João Paulo (Edu Silva) e Dalva (Solange Moreno),
pais de Téo (Daniel Ortega), repetem estranhamente juras de amor; estão
próximos fisicamente, mas completamente distantes na relação.
A solidão é um ponto fundamental do
espetáculo. Evill explica que não se trata de uma solidão da tristeza, “mas da
solidão própria da individualidade exagerada, que nasce das necessidades do
mundo atual, onde, por exemplo, jantamos com amigos e falamos ao celular ao
mesmo tempo”. Os personagens, no entanto, se dizem felizes, são queridos,
corretos e profundamente isolados e sós. “O que demarca essa situação é o ritmo
acelerado de nosso tempo, legitimado por um sistema de ‘necessidades’
contemporâneas”, afirma o encenador.
Téo é o personagem que
conduz e participa das ações: ele vê, opina, ironiza e provoca boas doses de
humor. Apresenta, por exemplo, Anamélia (Natália Guimarães), sua irmã
que está de casamento marcado com um colombiano que conheceu pelo Facebook.
Clóvis, o porteiro (Cristiano Sales) é, curiosamente, o personagem mais
próximo de Téo. Situação hilária acontece quando ele comenta o grau de
exigência para a admissão do porteiro: Clóvis teve que fazer prova sobre as
teorias do Panóptico de Foucault. Ironicamente o porteiro tem que comentar
sobre os “dispositivos de controle”, teoria refletida por Michel Foucault.
Durante o processo,
expedientes poéticos foram investigados para proporcionar ao espectador a ideia
de “experiência”: “Contrário ao isolamento vivido pelos personagens, tratamos o
espectador como sujeito presente, mas evitando o constrangimento, pois o que
nos interessa é a cumplicidade”, comenta Rebouças. Para atingir esse grau de
experiência e cumplicidade algumas convenções teatrais foram desprezadas:
Som - Boa parte das
sonoridades do espetáculo é narrada; nesse caso o espectador terá que
imaginá-las. E quando uma música é inserida na peça, isto ocorre diretamente dos
aparelhos eletrônicos (notebook, tablets e celulares) dos atores. “São massas
sonoras sutis, a fim de excluir a teatralidade convencional da trilha e
aproximar o espectador do espetáculo”, sublinha Evill.
Luz - O mapa de luz não
demarca nenhuma separação entre os personagens e a plateia. Essa escolha está
relacionada aos estudos de encenação em locais alternativos, tema abordado por
Evill Rebouças no livro A Dramaturgia e a Encenação no Espaço não Convencional,
publicado pela Edunesp.
Projeções – O grande aquário,
além de ser a morada solitária para um pequeno e único peixe, serve também para
projetar imagens/telas de redes sociais, de sites de busca. Em dado momento, o
peixinho solitário ganha companhia: projeta-se a gravura Peixes Grandes
Comem Peixes Pequenos, do pintor holandês do século XVI, Peter Brueghel
(uma leitura social sobre os modos de sobrevivência em que, geralmente, os
grandes engolem os menores).
Figurino - No figurino predomina
os tons pasteis/nude. Daniel Ortega trouxe para a cena uma unidade cromática e, ao mesmo tempo, a
possibilidade de ver essa unidade como algo que diz respeito à falta de
personalidade e ausência de individualidade perante um sistema político e
social vigentes.
Evill Rebouças
Como dramaturgo, Evill Rebouças escreveu
mais de 20 textos. Recebeu indicação a prêmios de Melhor Autor: Shell e
Cooperativa Paulista de Teatro, por Maria Miss em 2013. Ainda como dramaturgo, ganhou o APCA (por Teresinha
e Gabriela - uma na rua e a outra na janela, que também rendeu indicação ao
Prêmio Femsa), Femsa (por Bem do Seu Tamanho) e foi indicado ao Apetesp
(por Dandara, o Marinheiro). Evill ganhou também os prêmios Estímulo de
Dramaturgia da Secretaria de Estado de SP, por Quenturas do Corpo,
e Vladimir Maiakovski (por Corpo Calado, Breve Pecado). Como
encenador, dirigiu mais de 15 espetáculos e levou o APCA, Melhor Espetáculo
Jovem, por O Santo e a Porca, e recebeu indicação ao prêmio Cooperativa
Paulista de Teatro, por A Ciranda do Villa.
Como ator, atuou em mais de 20
espetáculos. Foi dirigido por Antunes Filho, José Renato, Roberto Lage, Cassio
Scapin, Chico de Assis e Ricardo
Karman , entre outros. Ganhou o prêmio Panamco Coca-Cola de
Melhor Ator por O Santo e a Porca. É um dos fundadores da Cia.
Artehúmus de Teatro. Licenciado e mestre em artes cênicas pelo Instituto de
Artes da Unesp. Tendo como objeto de estudo a Cia. Artehúmus e o Teatro da
Vertigem, teve seu mestrado publicado em livro pela Edunesp :
A Dramaturgia e a Encenação no Espaço Não Convencional.
A Cia Artehúmus de Teatro – que já utilizou um banheiro público,
seis andares de um prédio abandonado, uma lanchonete e elevadores como cenário
par suas montagens – é um dos 52 grupos que apoiam e participam do movimento de
ocupação no Ateliê Compartilhado Casa Amarela, na Rua da Consolação.
Ficha técnica
Dramaturgia e encenação:
Evill Rebouças
Elenco: Daniel Ortega,
Edu Silva, Solange Moreno, Natália Guimarães e Cristiano Sales.
Cenografia: Luis Rossi
Criação de mídias
eletrônicas: O grupo
Consultoria de mídias
eletrônicas: Carlos Camargo e Plataforma Wat-PUC
Figurinos: Daniel Ortega
Criação de luz: Edu
Silva
Criação de sonoridades:
O grupo
Preparação em viewpoints: Roberta
Nazaré
Preparação de modos de
recepção: Letícia Andrade
Visualidades gráficas:
Stela Ramos
Assistente de direção:
Roberta Ninin
Contribuição
poético-dramatúrgica: Glauce Gomes e Marcelo Hessel
Operadores de mídias e
som: O elenco
Operador de luz: Carlos
Camargo
Provocadores teóricos:
Adélia Nicolete, Alexandre Mate, Beatriz Oliveira da Silva, Daniele Pimenta,
Edu Silva, Letícia Mendes de Oliveira, Ligia Borges Matias, Luiza Maia, Natália
Siufi, Osmar Azevedo e Ruy Filho.
Direção de produção:
Cris Bezerra.
Produção: Cia. Artehúmus
de Teatro.
Serviço
Espetáculo: O Desvio do Peixe no Fluxo Contínuo do Aquário
Reestreia dia 11 de novembro, terça-feira, às 20 horas
Teatro do Incêndio
Rua da Consolação, 1219
- São Paulo – Fone: (11) 2609.8561.
Ingressos: R$ 30,00
(inteira), R$ 15,00 (meia). Bilheteria: 2h antes da sessão
Temporada: até 17 de
dezembro
Dias e horário / Novembro
- terças e quartas, às 20h.
Dias e horário / Dezembro:
terças, quartas e quintas, às 20h.
Gênero: drama. Duração:
80 minutos. Lotação: 50 lugares.
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