Mulheres no contexto do encarceramento são personagens fortes na nova montagem da Companhia de Teatro Heliópolis.
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Fotos de Rick Barneski |
Com encenação de Miguel Rocha e texto de Dione Carlos, a montagem aborda a forte presença feminina no contexto do cárcere, tendo Antônio Valdevino, Anderson Sales, Dalma Régia, Danyel Freitas, Davi Guimarães, Isabelle Rocha, Jefferson Matias, Jucimara Canteiro, Priscila Modesto e Walmir Bess como intérpretes.
O enredo parte da história de duas irmãs gêmeas - Maria dos Prazeres e Maria das Dores - com vidas marcadas pelo encarceramento dos homens da família para apresentar as estratégias de sobrevivência, sobretudo, das mulheres em suas comunidades. Quanto ao título, a dramaturga explica que “faz referência às mulheres que transmutam as energias de violência e morte e reinventam realidades”.
A encenação de Miguel Rocha tem as mulheres - mães, esposas, companheiras, irmãs - no centro da abordagem. “São elas que carregam o fardo, que são acometidas pelos desdobramentos do encarceramento de seus parceiros ou familiares, tendo a vida emocional, a segurança física e a situação financeira abalada. A mulher se torna a força e o sustentáculo da família, e também daquele que está em situação de cárcere”, argumenta o encenador.
A história das duas irmãs é um disparador no enredo de CÁRCERE ou Porque as
Mulheres Viram Búfalos para revelar o quão difícil é se desvincular de uma
estrutura tão complexa quanto o encarceramento. Enquanto a mãe enfrenta o
sistema jurídico na tentativa de libertar o filho preso injustamente, lutando
pela subsistência da família e do filho, sua irmã é refém do ex-companheiro,
também encarcerado, a quem deve garantir suporte no presídio, além de não ter
direito a uma nova vida conjugal pelo risco de perder a própria vida. Presas a
um histórico circular, pois também tiveram o pai preso, elas lutam para quebrar
o ciclo, em um percurso espinhoso. Miguel Rocha comenta que “a montagem não
ignora que a tirania do cárcere reverbere na periferia, onde poderes paralelos
criam regras e ditam normas, dispondo da vida das pessoas”.
A ancestralidade está presente na dramaturgia e permeia a encenação de forma arquetípica. O coro aparece tanto como uma representação da coletividade quanto um exercício da voz ancestral, cujos saberes resistiram à barbárie e atravessaram séculos nos corpos, nas memórias e nas crenças do(a)s africano(a)s que, escravizado(a)s, fizeram a travessia do Atlântico. Vale ressaltar que a maioria dos encarcerados é de ascendência negra, além de pobres e periféricos. “Nosso propósito é apresentar uma obra que trace o percurso dessas mulheres, pretas e pobres, cujo destino é atrelado ao cárcere. Não é defender a criminalidade, mas refletir sobre a situação limite em que o condenado se insere, além de mostrar que o modelo prisional vigente é cruel, discriminatório e não presta à ressocialização”, argumenta o encenador.
Como é característico nas encenações da Companhia, o espetáculo explora as ações físicas para construir um discurso poético e expressionista das relações de poder e da situação de cárcere. A música ao vivo (violino, viola, cello e percussão) potencializa esse discurso nas cenas coreografadas que denunciam e evidenciam o cotidiano em questão. O futebol, a comida, as humilhações, a disciplina imposta são passagens que elucidam a ambiguidade da proposta do sistema para a reabilitação daquele que, supostamente, infringiu as regras da sociedade. O encenador explica que “a música e a coreografia têm a força de expor a concretude, a precariedade e a desestrutura do espaço onde o enredo se desenvolve”. O espaço cênico é neutro (predominando o cinza), e a iluminação confere intensidade à cena e à dramaturgia. Apenas alguns elementos cenográficos são contextualizados de forma poética, a exemplo das gaiolas que representam a prisão emocional e psicológica da mulher que sofre indiretamente as consequências do cárcere.
Esse espetáculo, cuja estreia foi em 12/3/2022, resultou do projeto CÁRCERE
- Aprisionamento em Massa e Seus Desdobramentos, elaborado para comemorar os 20 anos
que a Companhia de Teatro Heliópolis completou em 2020 - contemplado pelo Programa Municipal de
Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo. Durante o processo criativo, o grupo
contou com participação de pensadore(a)s e pesquisadore(a)s em debates (Salloma
Salomão, Juliana Borges, Roberto da Silva e Preta Ferreira), provocações (Maria
Fernanda Vomero e Bernadeth Alves) e performatividade (Carminda Mendes André).
Também de Bruno Paes Manso e Salloma Salomão foram comentadores, além da
colaboração de Bel Borges e Luciano Mendes de Jesus (preparação vocal), Renato
Navarro (música), Érika Moura (pesquisa corporal), Janete Santiago (dança afro),
Eliseu Weide (cenografia), Samara Costa (figurino), Toninho Rodrigues (luz) e
tantos outros.
FICHA TÉCNICA - Encenação: Miguel Rocha. Assistência de direção: Davi Guimarães. Texto: Dione Carlos. Elenco: Antônio
Valdevino, Anderson Sales, Dalma Régia, Danyel Freitas, Davi Guimarães,
Isabelle Rocha, Jefferson Matias, Jucimara Canteiro, Priscila Modesto e Walmir
Bess. Direção musical: Renato Navarro. Assistência de direção musical: César Martini. Musicistas: Alisson Amador (percussão), Amanda Abá (violoncelo),
Denise Oliveira (violino) e Jennifer Cardoso (viola). Cenografia: Eliseu Weide. Iluminação:
Miguel Rocha e Toninho Rodrigues. Figurino:
Samara Costa. Assistência de figurino:
Clara Njambela. Costureira: Yaisa
Bispo. Operação de som: Lucas
Bressanin. Operação de luz: Viviane
Santos. Cenotecnia: Wanderley Silva.
Provocação vocal, arranjos e composição
da música do ‘manifesto das mulheres’: Bel Borges. Provocação vocal, orientação em atuação-musicalidade e arranjos -
percussão ‘chamado de Iansã’: Luciano Mendes de Jesus. Estudo da prática corporal e direção de movimento: Érika Moura. Provocação cênica: Bernadeth Alves,
Carminda Mendes André e Maria Fernanda Vomero. Comentadores: Bruno Paes Manso e Salloma Salomão. Mesas de debates: Juliana Borges, Preta
Ferreira, Roberto da Silva e Salloma Salomão - mediação de Maria Fernanda
Vomero. Orientação de dança afro:
Janete Santiago. Direção de produção:
Dalma Régia. Produção executiva:
Davi Guimarães e Miguel Rocha. Idealização
e produção: Companhia de Teatro Heliópolis. Realização: Sesc.
Serviço
Espetáculo:
CÁRCERE
ou Porque as Mulheres Viram Búfalos
Com: Companhia de Teatro Heliópolis
Temporada:
10 a 27 de novembro de 2022
Horários:
quinta, sexta e sábado, às 20h, e domingo, às 17h
Local:
Sala II (120 lugares) – com acessibilidade.
Ingressos:
R$ 30,00 (inteira), R$ 15,00 (meia-entrada) e R$
9,00 (credencial Sesc)
Duração:
120 min. Classificação: 12 anos. Gênero: Experimental.
Sesc Belenzinho
Rua Padre Adelino, 1000. Belenzinho – São Paulo
(SP)
Telefone: (11) 2076-9700 | sescsp.org.br/Belenzinho | Nas redes: @sescbelenzinho
Estacionamento - De terça a sábado, das 9h às 21h. Domingos e
feriados, das 9h às 18h.
Valores: Credenciados plenos do Sesc: R$ 5,50 a
primeira hora e R$ 2,00 por hora adicional. Não credenciados no Sesc: R$ 12,00
a primeira hora e R$ 3,00 por hora adicional.
Transporte Público - Metro Belém (550m) | Estação Tatuapé (1400m).
Companhia de Teatro Heliópolis - Facebook - @companhiadeteatro.heliopolis
| Instagram - @ciadeteatroheliopolis
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