quinta-feira, 10 de maio de 2012

Facas nas Galinhas, de David Harrower, encerra temporada dia 15/7

A peça é uma produção da Barracão Cultural que narra a história de uma mulher simples que é arremessada à vida para descobrir as possibilidades de ver e sentir o universo.

Depois de ser encenada em 25 países Facas nas Galinhas, do escocês David Harrower, estreia no Brasil com direção de Francisco Medeiros. A montagem da Barracão Cultural finaliza temporada no dia 15 de julho, domingo, no espaço da Companhia do Feijão. Elenco: Eloisa Elena, Cláudio Queiroz e Thiago Andreuccetti.

Facas nas Galinhas é um texto poético e simbólico sobre uma mulher jovem que se passa em uma aldeia, em um tempo arcaico, não definido. Casada com um camponês opressor e, talvez, adúltero, ela tem um encontro com o odiado moleiro (dono do moinho) local que a impulsiona no percurso da descoberta de si mesma. Essa mulher perfaz uma trilha que a leva da ignorância à consciência, do literal ao imaginário, da escravidão à libertação.

Segundo o diretor Francisco Medeiros, “o percurso desta personagem, num contexto cheio de intrigas e elementos inusitados, é a construção de uma identidade, o desvendamento de um ser. É conquista de uma individualidade”. Essa mulher apresentada por David Harrower é o arquétipo da mulher servil ao marido e que ainda não tem aflorado o exercício da metáfora, do simbólico. De forma brilhante e singular o autor a conduz ao encontro dela com ela mesma, como se fosse a construção de um ser.

Considerado por muitos como um texto difícil de ser encenado, Facas nas Galinhas exige dos atores sua máxima potência cênica. Quanto a isto o diretor confessa: “a peça é de uma simplicidade desconcertante, tão absurda que nos desafia na visualização de uma encenação”. Ele ainda explica que a comunicação calcada na simplicidade não é a mais simples de encenar. “Esta ficção dramática é descamada de truques, desprovida de efeitos e de golpes de teatro, mas tem fortes e potentes ingredientes narrativos”. A direção não se desprende desta simplicidade e explora a força das palavras e situações. “Nosso propósito é evitar a ilustração, a redundância, e convocar o espectador ser parceiro ativo para que, só assim, a obra se complete.” Explica Medeiros.

“Facas nas Galinhas se abre a múltiplas leituras para cada pessoa da plateia”, afirma Francisco Medeiros. Ele completa: “não sou um encenador do tipo que entra num trabalho com a concepção geral pronta. Prefiro ser provocado. Minha tarefa é estabelecer uma conexão com as forças dos atores e dos outros artistas envolvidos na montagem e tentar encontrar a organização mais intrigante, capaz de afetar poderosamente a platéia”.

A solução cenográfica é outro desafio: tem que possibilitar o jogo multifacetado proposto por Harrower, numa cronologia não linear e apelar para a imaginação do espectador diante de uma lógica bem particular. Nesta montagem brasileira o cenário (de Marco Lima) é abstrato e provocativo, em combinação com a luz (de Marisa Bentivegna), importantíssima inclusive nas referencias de tempo (dia e noite) e nos recortes capazes de criar múltiplos ambientes e atmosferas. Uma estrutura circular (como a pedra de moinho) abre várias possibilidades para situar cada cena, cercada por caminhos forrados de sementes (como os grãos de que se faz a farinha). E a concretude desse cenário dá forma e magia a um campo, uma casa, um moinho...

A trilha (de Dr Morris) é um “complexo sonoplástico”, uma instalação sonora que combina sons primitivos e naturais, propondo a harmonia entre o texto e natureza bucólica rural.

Eloisa Elena, atriz e diretora da Barracão Cultural, conta que a “escolha por este texto foi quase sensorial”. Procurava por um autor contemporâneo, leu a sinopse na Internet e descobriu que uma amiga havia montado a peça em Portugal. Entrou em contato com ela e ficou totalmente envolvida por este universo rústico, poético e ao mesmo tempo transbordante de simplicidade. “O que mais me atraiu foi essa possibilidade de poesia permanente, simples, que não aparece à primeira vista e precisa ser descoberta.”

Sinopse

Uma mulher jovem leva uma vida de subserviência ao Marido, sem questionar, sem observar, sem apreciar. Apenas vive. O marido é um rude lavrador que tem uma relação não bem esclarecida com os cavalos, que estão sempre em primeiro plano. Eles moram numa cabana, no final do vilarejo, onde todos dependem do moinho para processar os grão e fazer a farinha. O moleiro (homem que possui livros e gosta de escrever e beber) é odiado por todos os habitantes, considerado um explorador (pois quem faz o trabalho é o moinho), um bruxo (sabe de tudo que se fala por ali) e pode ser também um assassino.

Um dia essa mulher sai da cabana e vai levar o almoço para o marido no campo e, pela primeira vez, ela para por um momento e tem sua primeira experiência de contato, de relação, com o mundo. Passa a observar e refletir sobre os fenômenos e as coisas da natureza. Começa aí sua transformação, seu despertar.

Sua relação com o moleiro se dá quando o marido, ocupado com o parto de uma égua, incumbe-a de levar os grãos até o moinho, dizendo que ela só precisa entregar os sacos, aguardar pela farinha e odiar o moleiro. Mas ela encontra um homem que é o oposto do marido, que lhe observa e oferece ajuda. Esse homem colabora para o seu despertar para a vida. É ele quem lhe apresenta, por exemplo, uma caneta. Ela, até então, só usara as palavras pronunciadas.

Com a pedra do moinho desgastada a população resolve, então, levar uma nova pedra para agilizar o serviço, quando o moleiro lhes oferece uma bebida. Isto resulta numa série de desdobramentos e envolvimentos entre ele, a mulher e o marido. O desfecho se dá quando os três vão guardar a pedra velha nos fundos da casa do moleiro e algo inesperado acontece.

Ficha técnica
Espetáculo: Facas nas Galinhas
Texto: David Harrower
Tradução: Fábio Ferretti
Direção: Francisco Medeiros
Elenco: Eloisa Elena, Cláudio Queiroz e Thiago Andreuccetti
Trilha sonora: Dr Morris
Cenário e figurino: Marco Lima
Iluminação: Marisa Bentivegna
Coordenação técnica: Maurício Mateus
Instalação sonora: Dr Morris e Maurício Mateus
Preparação corporal: Fabricio Licursi
Designer gráfico: Teresa Maita
Fotografias: João Caldas
Construção de cenário: Ono-Zone Estúdio
Costureira: Benedita Calixtro
Produção executiva: Geondes Antonio
Administração: Marina Porto
Realização: Barracão Cultural - www.barracaocultural.com.br
Serviço
Estréia 1º de junho - sexta-feira - às 21 horas
Espaço da Companhia do Feijão
Rua Dr. Teodoro Baima, 68 - República/SP - Tel: (11) 3259.9086
Temporada: sextas e sábados (21 horas) e domingos (19 horas) - Até 15/07
Ingressos: R$ 15,00 (meia R$ 7,50) - Bilheteria: 2h antes da sessão
Informações: (11) 5539-1275 - Gênero: Drama - Duração: 80 min.
Classificação estaria: 14 anos - Capacidade: 60 lugares
Estacionamento conveniado (ao lado do teatro): R$ 15,00.

Facas nas Galinhas e David Harrower

Facas nas Galinhas – primeira peça de David Harrower - é uma das mais “clássicas” obras teatrais contemporâneas em língua inglesa. Estreou em Edimburgo, em meados dos anos 90, numa produção do Bush Theatre e do Traverse, com direção de Philip Howard. Logo virou sucesso em importantes palcos europeus, sendo traduzida e encenada em dezenas de países.

O texto de David Harrower tem características enigmáticas, pois combina a construção de uma história de desejo, traição e morte com solidão, sexualidade e despertar de uma consciência. O título da peça pode, talvez, ser explicado por uma fala da jovem protagonista, quando ela, reportando-se à sua labuta diária, afirma: “Tudo o que preciso fazer é enfiar nomes nas coisas do mesmo jeito que eu enfio a faca na galinha”. Neste sentido, a peça é a história da transformação de uma mulher que emerge como paradigma da ambição de chegar mais perto das coisas. “É totalmente simbólico: o que ocorre com esta mulher é simples, natural, cruel e necessário”, diz Eloisa Elena. 

"Eu não uso uma linguagem realista, quero criar uma linguagem mais pura, mais poética, que significa mais do que aquilo que parece. E descobri isso escrevendo esta peça." Diz Harrower, que conta a história de forma elíptica, rarefeita, servindo-se de uma escrita direta, simbólica e até cruel para descrever a complexa relação das personagens com a linguagem e com sua própria realidade. “Eu queria criar um mundo que parecesse incrivelmente estranho e arcaico. Um mundo pré-industrial. Mas queria também pensar nele metaforicamente – um mundo no qual a linguagem fosse usada muito especificamente. Um mundo de tal modo mergulhado nos ritmos do trabalho e da existência que não havia tempo para coisas exteriores, no qual as pessoas vivessem dentro da natureza e não pudessem sair do mundo e olhar para o seu lugar dentro dele”.

David Harrower nasceu em 1966, em Edimburgo, Escócia. Sua origem humilde fez com que ganhasse a vida lavando pratos. Ele afirma que não tinha dinheiro suficiente nem para ir ao teatro. Ele é autor das seguintes peças: Matem os Velhos, Torturem Suas Crias (1998), Presença (2001), Terra Negra (2003), A Recusa (2006), Blackbird (2006, que teve montagem paulistana, dirigida por Alexandre Tenório e interpretação de Cristina Cavalcanti e Nelson Baskerville), 365 (2008), Cinzas de Sangue (2009), Começar de Novo (2009), Caixa de Surpresas (2009) e a mais recente, A Slow Air, que estreia em maio no Trycicle Theatre, em Londres, depois de ter estreado no Festival de Edimburgo, com sua própria direção. Harrower também adaptou A Crisálida (John Wyndham), Seis Personagens à Procura de um Autor (Pirandello), Ivanov (Tcheckov), Büchner (Woyzeck), Contos das Florestas de Viena (Ödon vön Horváth), A Alma Boa de Setsuan (Bertolt Brecht), Sweet Nothings (Arthur Schnitzler) e ainda traduziu Menina no Sofá e Púrpura (Jon Fosse).

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