A peça – que tem
participação especial de José Celso Martinez Corrêa, dando voz a texto da escritora russa Helena
Blavatsky sobre o autoconhecimento e a libertação interior – inaugurou oficialmente a nova sede da companhia na Rua 13
de Maio.
Pano de Boca, que teve sua última
encenação em 1976, foi autorizada pelo autor, antes de sua morte, para a montagem do diretor Marcelo Marcus Fonseca. A
encenação também faz uma “releitura” do cenário e dos figurinos criados por Flávio
Império (1935-1985), homenageando duas das maiores personalidades do teatro
brasileiro, cuja parceria criativa é considerada inigualável nas artes cênicas.
Fonseca explica que Pano de Boca
questiona o que é o teatro e qual a sua essência, tanto do ponto vista real
quanto do ponto de vista do personagem. O debate gerado sobre a criação humana,
a relação entre divino e terreno, trata da difícil tarefa de manter o
equilíbrio em um mundo dominado por valores distorcidos.
“Pano
de Boca traz a única discussão oportuna nos tempos atuais sobre a criação,
o teatro e a espiritualidade em um tempo onde a esquizofrenia é gerada pela
velocidade, atirando o homem no abismo da disputa pelo sucesso, do isolamento,
da poluição sonora, da intolerância”. E completa o diretor: “Acredito que para o
teatro atual, para a juventude que procura o teatro, para nós artistas, que
lutamos pela sobrevivência de um teatro mais sagrado que político-partidário,
esse texto é urgente e necessário, quando toca na ferida com a delicadeza de
uma Clarisse Lispector”.
Em um plano não realista, a peça trabalha com
a questão do conceito de criação e, mesmo em seu plano realista, ela depende do
metafísico para ser entendida. O texto de Fauzi Arap quer aproximar o
expectador da cabeça do autor no momento da criação. Ele, portanto, trata o
teatro como alquimia: Pano de Boca é bem mais uma experiência do que
simplesmente uma história.
O enredo
O texto é estruturado em três planos. No
primeiro, dois personagens indefinidos, palhaços inacabados, reclamam vida
dentro da cabeça de um autor em crise. No segundo, uma atriz (Gabriela Morato)
dialoga com alguém que não se vê sobre os acontecimentos que motivaram a
desintegração de um grupo. E no terceiro, o próprio grupo tenta reabrir o
teatro abandonado em uma reunião convocada por alguém não identificado. A peça
se funde em uma discussão sobre a criação, a exclusão e o sagrado no teatro. Os
atores transitam por linguagens diferentes como o realismo, o circo e um quase
surrealismo, diferenciando os três planos aparentemente distintos do texto, que
fluem para um caminho único.
Os palhaços - Pagão (Marcelo Marcus Fonseca)
e Segundo (Francisco da Silva) - são como duas
forças lutando para existir como personagem, que discutem com o autor. “Eis a
metáfora: a crise do autor na criação e a discussão com Deus, com o poder
criativo. O autor, que nunca aparece em cena, tenta reconstruir algo, enquanto
todos os personagens da peça estão diante de uma esfinge, que pode ser um
mistério maior do teatro, da vida. Ela pode simbolizar o medo, que pode ser o
mero medo de existir”. Argumenta o diretor.
Os palhaços, representando o poder e também a
fragilidade da criação, fazem o contraponto com realidade da arte na vida do
ator. Palhaço canastrão, Pagão é matéria quase bruta, ele emana uma energia
mais violenta, mostra-se com pouca sensibilidade, mas ganha contornos humanos
na “vida”. Já o palhaço Segundo tem trejeitos miúdos, é sensível, e sua
sensibilidade é atacada e violentada o tempo todo, colocando sua existência
em risco. Ele propõe uma reflexão sobre como o personagem pode se afirmar,
revidar nos embates para sobreviver, pois pode se perder completamente se for
exposto ainda inacabado.
No plano da realidade, os integrantes do
grupo de teatro têm um encontro marcado, que se emenda com o plano - real e
espiritual - da mulher. Essa mulher conversa com alguém, que pode ser qualquer
um. Seu espaço é indefinido, sua alma está em descoberta, sua narrativa conduz
ao entendimento sem ser conclusiva: ela tenta compreender suas questões e, ao
mesmo tempo, não consegue as respostas que procura.
No grupo de teatro houve afastamento; um
desregramento que ultrapassou qualquer contorno pessoal. Os integrantes não
conseguem se comunicar. Chamados para uma reunião no antigo espaço da
companhia, eles se veem trancados e cercados por um clima de mistério. Sem
fazer de conta que nada aconteceu eles são obrigados a encarar o passado para
seguir em frente e descobrem que não há como negar o outro, pois a saída é de
todos. Na metáfora de Fauzi Arap está dificuldade de reconstruir o que se
quedou. Inclusive, um dos personagens, Pedro, foi inspirado na história
verídica de Samuca, jovem ator do Grupo Oficina, nos anos 70, que enlouqueceu e
parou de falar em consequência do uso abusivo das drogas. A recusa da palavra
(recurso mais expressivo do ator) foi usada pelo autor de forma ambígua, também
como alegoria da situação do teatro diante da censura política que existia na
época.
Cenário, figurino e
trilha sonora
O Cenário (de Marcelo Marcus Fonseca) e o
figurino (de Gabriela Morato) foram livremente inspirados nos originais de
Flávio Império, da montagem de Fauzi Arap, de 1976. Marcelo e Gabriela
mergulharam em desenhos, fotos e anotações da época para “recriar” a estética de
Império. O figurino é atemporal; em modelos, tons e cores que harmonizam com
estado de espírito dos personagens. Todo o
teatro de “pernas para o ar” é a cenografia de Pano de Boca. Tecidos e
poltronas estão pendurados no teto. “É como se o espaço fosse sacudido por um
terremoto que fez brotar do chão as bases e essências do teatro brasileiro”,
comenta o diretor e cenógrafo. Pelo espaço estão espalhados objetos cênicos
significativos de dezenas de grupos paulistanos, doados especialmente para a
peça. Assim, Pano de Boca representa a história de todas as companhias,
a energia do próprio teatro. A trilha
incidental, criada durante os ensaios, é executada por atores que não
participam como personagens da cena em questão, fazendo da música (e do músico)
também um elemento estético e cenográfico.
Ficha técnica
Espetáculo: Pano de Boca
Texto: Fauzi Arap
Direção: Marcelo Marcus Fonseca
Cenário: Marcelo Marcus Fonseca
Figurino: Gabriela Morato
Realização e produção: Cia. Teatro do
Incêndio
Trilha sonora original: Bisdré Santos
Iluminação: Rodrigo Alves
Espaço cênico: Antonio Rodrigues
Cenário: Marcelo Marcus Fonseca (a partir da obra de
Flávio império)
Figurinos e adereço: Gabriela Morato (a partir da obra de
Flávio Império)
Voz
da Esfinge (áudio) - José Celso Martinez Correa
Produção geral: Gabriela Morato
Arte gráfica: Gustavo Oliveira
Fotografia e registro: Don Fernando
Operação de luz: Valcrez Siqueira
Operação de som e Projeção: Bisdré Santos
Assitente de direção: Vinicius Árabe
Assistente de iluminação e Espaço cênico: Valcrez
Siqueira
Assistente de figurino e adereço: Francisco Silva, Elena
Vago e Sergio Ricardo
Assistente de produção: Elena Vago
Assistente de produção executiva: Victor Dallmann
Assistente de registro: Luciana Fernandes e Frederico
Meneses
Técnico responsável: Antonio Rodrigues
Bilheteria: Elena Vago, Luciana Fernandes e Cia. Teatro
do Incêndio
Administração: Gabriela Morato
Assistente de administração: Francisco Silva
Elenco/personagens: Gabriela Morato (magra), Marcelo Marcus Fonseca (Pagão), Daniel Ortega
(Paulo), Josemir Kowalick (Zeca), Francisco da Silva
(Segundo), Gustavo Oliveira (Marco), Rebeca Ristoff (Ana), Victor Dallmann
(Pedro) e Ana Beatriz Pereira (Tássia)
Serviço
Teatro do Incêndio
Rua 13 de Maio,
53 – Bela Vista/SP. Tel:
(11) 2609-3730 / 2609-8561
Horários:
sábados (20 horas), domingos (18 horas) e segunda (20 horas)
Temporada:
de 11 de julho a 14 de setembro
Ingressos:
R$ 5,00 (preço único). Bilheteria: 2h antes
Gênero:
Drama. Duração: 120 min. Classificação: 16 anos
Capacidade:
50 lugares.
Aceita dinheiro e cartão de débito.
Vendas online - https://www.facebook.com/teatrodoincendio
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