terça-feira, 28 de outubro de 2014

'O Desvio do Peixe no Fluxo Contínuo do Aquário', de Evill Rebouças, reestreia no Teatro do Incêndio

Cia Artehúmus de Teatro subverte o espaço da representação para proporcionar ao público uma relação de experiência mais íntima com os personagens.

Após temporada de sucesso de crítica e público no Sesc Consolação, o espetáculo O Desvio do Peixe no Fluxo Contínuo do Aquário, concebido e dirigido por Evill Rebouças, reestreia no dia 11 de novembro, terça-feira, no Teatro do Incêndio, às 20 horas. A peça aborda as relações de isolamento e aproximação entre pessoas que vivem sob o mesmo teto, fala da solidão provocada pela individualidade exarcebada.

A ambientação da montagem da Cia Artehúmus de Teatro envolve o espectador logo na entrada do teatro, marcada por uma luz fraca que sugere proximidade. Os cômodos são separados por uma planta baixa e demarcados por abajures; nos quartos, observamos cadeiras e pequenos armários de aço escovado brilhante; e o peixe Tom nada sozinho em um aquário de 1,80m por 1,20m, em aproximadamente 100 litros de água. Segundo Evill Rebouças, “o peixe Tom faz lembrar a impotência, o isolamento e a pequenez do indivíduo na grande metrópole”.

Indicado, entre outros, ao Prêmio Shell de 2013 por Maria Miss (adaptação da obra de Guimarães Rosa) e vencedor do prêmio APCA (2002 e 2006), o diretor, dramaturgo e ator Evill Rebouças concebeu uma encenação, na qual atores buscam uma cumplicidade direta com o espectador ao mergulhar em temas como convivência, qualidade das relações, individualidade e interação social. Durante um ano, a companhia foi a campo, literalmente, para ver de perto como as pessoas se relacionam nos dias de hoje: albergues, conjuntos habitacionais e condomínios de luxo foram visitados. Além de observar a interação entre os moradores, o grupo entrevistou diversas pessoas para criar personagens que sigam protocolos comuns à nossa época.

“Em alguns condomínios de luxo os moradores recebem encomendas por caixa postal para não terem seus nomes revelados, enquanto que em um conjunto habitacional popular as pessoas deixam as portas abertas para os vizinhos entrarem. Nos albergues, onde muitas pessoas ficam juntas, há uma solidão imensa, pois ninguém ali se conhece realmente. Foi a partir de observações desses padrões que criamos os personagens da peça”, conta Evill.

A encenação

As histórias dos cinco personagens de O Desvio do Peixe no Fluxo Contínuo do Aquário são complementares. João Paulo (Edu Silva) e Dalva (Solange Moreno), pais de Téo (Daniel Ortega), repetem estranhamente juras de amor; estão próximos fisicamente, mas completamente distantes na relação.

A solidão é um ponto fundamental do espetáculo. Evill explica que não se trata de uma solidão da tristeza, “mas da solidão própria da individualidade exagerada, que nasce das necessidades do mundo atual, onde, por exemplo, jantamos com amigos e falamos ao celular ao mesmo tempo”. Os personagens, no entanto, se dizem felizes, são queridos, corretos e profundamente isolados e sós. “O que demarca essa situação é o ritmo acelerado de nosso tempo, legitimado por um sistema de ‘necessidades’ contemporâneas”, afirma o encenador.

Téo é o personagem que conduz e participa das ações: ele vê, opina, ironiza e provoca boas doses de humor. Apresenta, por exemplo, Anamélia (Natália Guimarães), sua irmã que está de casamento marcado com um colombiano que conheceu pelo Facebook. Clóvis, o porteiro (Cristiano Sales) é, curiosamente, o personagem mais próximo de Téo. Situação hilária acontece quando ele comenta o grau de exigência para a admissão do porteiro: Clóvis teve que fazer prova sobre as teorias do Panóptico de Foucault. Ironicamente o porteiro tem que comentar sobre os “dispositivos de controle”, teoria refletida por Michel Foucault.

Durante o processo, expedientes poéticos foram investigados para proporcionar ao espectador a ideia de “experiência”: “Contrário ao isolamento vivido pelos personagens, tratamos o espectador como sujeito presente, mas evitando o constrangimento, pois o que nos interessa é a cumplicidade”, comenta Rebouças. Para atingir esse grau de experiência e cumplicidade algumas convenções teatrais foram desprezadas:

Som - Boa parte das sonoridades do espetáculo é narrada; nesse caso o espectador terá que imaginá-las. E quando uma música é inserida na peça, isto ocorre diretamente dos aparelhos eletrônicos (notebook, tablets e celulares) dos atores. “São massas sonoras sutis, a fim de excluir a teatralidade convencional da trilha e aproximar o espectador do espetáculo”, sublinha Evill.

Luz - O mapa de luz não demarca nenhuma separação entre os personagens e a plateia. Essa escolha está relacionada aos estudos de encenação em locais alternativos, tema abordado por Evill Rebouças no livro A Dramaturgia e a Encenação no Espaço não Convencional, publicado pela Edunesp.

Projeções – O grande aquário, além de ser a morada solitária para um pequeno e único peixe, serve também para projetar imagens/telas de redes sociais, de sites de busca. Em dado momento, o peixinho solitário ganha companhia: projeta-se a gravura Peixes Grandes Comem Peixes Pequenos, do pintor holandês do século XVI, Peter Brueghel (uma leitura social sobre os modos de sobrevivência em que, geralmente, os grandes engolem os menores).

Figurino - No figurino predomina os tons pasteis/nude. Daniel Ortega trouxe para a cena uma unidade cromática e, ao mesmo tempo, a possibilidade de ver essa unidade como algo que diz respeito à falta de personalidade e ausência de individualidade perante um sistema político e social vigentes.

 

Evill Rebouças

Como dramaturgo, Evill Rebouças escreveu mais de 20 textos. Recebeu indicação a prêmios de Melhor Autor: Shell e Cooperativa Paulista de Teatro, por Maria Miss em 2013.  Ainda como dramaturgo, ganhou o APCA (por Teresinha e Gabriela - uma na rua e a outra na janela, que também rendeu indicação ao Prêmio Femsa), Femsa (por Bem do Seu Tamanho) e foi indicado ao Apetesp (por Dandara, o Marinheiro). Evill ganhou também os prêmios Estímulo de Dramaturgia da Secretaria de Estado de SP, por Quenturas do Corpo, e Vladimir Maiakovski (por Corpo Calado, Breve Pecado). Como encenador, dirigiu mais de 15 espetáculos e levou o APCA, Melhor Espetáculo Jovem, por O Santo e a Porca, e recebeu indicação ao prêmio Cooperativa Paulista de Teatro, por A Ciranda do Villa.

Como ator, atuou em mais de 20 espetáculos. Foi dirigido por Antunes Filho, José Renato, Roberto Lage, Cassio Scapin, Chico de Assis e Ricardo Karman, entre outros. Ganhou o prêmio Panamco Coca-Cola de Melhor Ator por O Santo e a Porca. É um dos fundadores da Cia. Artehúmus de Teatro. Licenciado e mestre em artes cênicas pelo Instituto de Artes da Unesp. Tendo como objeto de estudo a Cia. Artehúmus e o Teatro da Vertigem, teve seu mestrado publicado em livro pela Edunesp: A Dramaturgia e a Encenação no Espaço Não Convencional.

A Cia Artehúmus de Teatro – que já utilizou um banheiro público, seis andares de um prédio abandonado, uma lanchonete e elevadores como cenário par suas montagens – é um dos 52 grupos que apoiam e participam do movimento de ocupação no Ateliê Compartilhado Casa Amarela, na Rua da Consolação.

Ficha técnica
Dramaturgia e encenação: Evill Rebouças
Elenco: Daniel Ortega, Edu Silva, Solange Moreno, Natália Guimarães e Cristiano Sales.
Cenografia: Luis Rossi
Criação de mídias eletrônicas: O grupo
Consultoria de mídias eletrônicas: Carlos Camargo e Plataforma Wat-PUC
Figurinos: Daniel Ortega
Criação de luz: Edu Silva
Criação de sonoridades: O grupo
Preparação em viewpoints: Roberta Nazaré
Preparação de modos de recepção: Letícia Andrade
Fotos: Will Cavagnolli, Augusto Paiva, Bob Souza, José Rebouças, Melca Medeiros
Visualidades gráficas: Stela Ramos
Assistente de direção: Roberta Ninin
Contribuição poético-dramatúrgica: Glauce Gomes e Marcelo Hessel
Operadores de mídias e som: O elenco
Operador de luz: Carlos Camargo
Provocadores teóricos: Adélia Nicolete, Alexandre Mate, Beatriz Oliveira da Silva, Daniele Pimenta, Edu Silva, Letícia Mendes de Oliveira, Ligia Borges Matias, Luiza Maia, Natália Siufi, Osmar Azevedo e Ruy Filho.
Direção de produção: Cris Bezerra.
Produção: Cia. Artehúmus de Teatro.
Serviço
Espetáculo: O Desvio do Peixe no Fluxo Contínuo do Aquário
Reestreia dia 11 de novembro, terça-feira, às 20 horas
Teatro do Incêndio
Rua da Consolação, 1219 - São Paulo – Fone: (11) 2609.8561.
Ingressos: R$ 30,00 (inteira), R$ 15,00 (meia). Bilheteria: 2h antes da sessão
Temporada: até 17 de dezembro
Dias e horário / Novembro - terças e quartas, às 20h.
Dias e horário / Dezembro: terças, quartas e quintas, às 20h.
Gênero: drama. Duração: 80 minutos. Lotação: 50 lugares.

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