terça-feira, 17 de março de 2015

Sesc Belenzinho apresenta nova montagem da Kiwi Cia de Teatro: em debate, o fenômeno das crenças

Programação inclui ainda debate e curso sobre Teatro Documentário.

O Sesc Belenzinho apresenta Manual de Autodefesa Intelectual, nova montagem da Kiwi Companhia de Teatro, grupo paulistano criado em 1996. O trabalho - que estreia no dia 9 de abril, quinta-feira, às 21h30 - aborda, por meio de 30 cenas, um conjunto de temas relacionado às mistificações e crendices contemporâneas. Da peça também fazem parte reflexões filosóficas, principalmente a partir da obra de René Descartes (1596-1650), e números de mágica.

O trabalho cênico utiliza recursos do teatro documentário (além de música, dança e audiovisual), prosseguindo as pesquisas recentes do grupo com a linguagem narrativa, como em Teatro/mercadoria e Morro Como Um País. Por este último trabalho a atriz Fernanda Azevedo recebeu o Prêmio Shell de Melhor Atriz, em 2014.

Manual de Autodefesa Intelectual investiga temas tão diversos quanto a numerologia, o horóscopo, o pensamento circular, a mídia empresarial, o surgimento da publicidade moderna, as religiões e as teorias da conspiração (“Elvis não morreu”, “o homem não foi à Lua” etc.).

Em cena está um elenco de três atrizes (Fernanda Azevedo, Maíra Chasseraux, Maria Carolina Dressler), um ator (Vicente Latorre) e dois músicos (Eduardo Contrera e Elaine Giacomelli). Heloísa Passos, conhecida pela sua atuação no cinema, assina a iluminação. Julio Dojcsar é responsável pela cenografia. Roteiro e direção são de Fernando Kinas e a produção é da Kiwi.

Segundo o diretor Fernando Kinas, as superstições e o analfabetismo científico fazem com que muitas pessoas não apenas acreditem, mas organizem suas vidas a partir de explicações místicas e ficções. “A confusão frequente entre opinião e conhecimento (doxa e episteme); os erros oriundos do pensamento circular e das relações inexistentes de causa e efeito; a presença ostensiva da fé no cotidiano; a tendência a aceitar premissas falsas como verdadeiras; a ausência da verificação das fontes; a aceitação passiva de argumentos de autoridade, entre outros procedimentos baseados na intuição, no senso comum, na mídia hegemônica e nas experiências imediatas e pessoais criam um ambiente propício ao engano e ao erro”, explica.

A produção deste espetáculo foi viabilizada pela Lei de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo 2014/2015.

Mentiras, fraudes, pensamentos descuidados, imposturas e desejos mascarados como fatos não se restringem à magia de salão, nem a conselhos ambíguos sobre assuntos do coração. Infelizmente, eles estão infiltrados nas questões econômicas, religiosas, sociais e políticas dos sistemas de valores dominantes em todas as nações. (Carl Sagan)

Curso e debate

No dia 19 de abril (domingo), logo após a apresentação de Manual de Autodefesa Intelectual, haverá debate com participação do cientista social José Correa Leite sobre o tema Obscurantismo, pensamento crítico e estética.

Um curso de Teatro Documentário, ministrado pelo diretor Fernando Kinas (doutor em teatro pela Sorbonne Nouvelle e USP), será oferecido nos dia 5 e 6 de maio, terça e quarta-feira, das 14h às 18 horas. Inscrições (grátis) devem ser feitas até o dia 28/04 pelo e-mail teatrodocumentario@belenzinho.sescsp.org.br.

Manual de Autodefesa Intelectual – por Fernando Kinas

É inequívoca a importância do fenômeno relacionado às crenças, superstições, obscurantismos e pseudociência nos dias atuais, seja do ponto de vista econômico, seja das suas implicações sociais, culturais e políticas. Uma lista nada exaustiva destas práticas incluiria: visões, êxtases, telepatia, profecias, psicoquinese, levitação, curas mágicas, milagres, abdução por extraterrestres, quiromancia, viagem astral, astrologia, precognição, homeopatia, uso de cristais e amuletos (alho, pata de coelho, trevo de quatro folhas), comunicação com os mortos, telecinesia… A lista é longa. Há também um número enorme e recorrente de lendas: monstro do lago Ness, Triângulo das Bermudas, continente perdido de Atlântida, profecias de Nostradamus, loira do elevador, Bicho Papão, entre milhares de outras. Se algumas são folclóricas, outras envolvem charlatanismo, golpes e ações criminosas.

Também não é difícil encontrar pessoas dispostas a acreditar em aparições de santas e fantasmas, em estátuas que choram ou vertem sangue e muitas que juram que Elvis está vivo. Outras pessoas batem três vezes na madeira, não passam embaixo de escadas ou diante de gatos pretos e não repetem determinadas palavras.

Associado ao fenômeno da superstição, há situações talvez ainda mais preocupantes, como a dificuldade, bastante disseminada, no manuseio de informações veiculadas pelos meios de comunicação de massa. Credulidade, ingenuidade e voyeurismo mórbido, cuidadosamente alimentados, impedem ou dificultam a compreenção do sistema de produção das informações nas sociedades contemporâneas. O comediante francês Coluche afirmou, décadas atrás, que "não se pode dizer a verdade na televisão, porque tem muita gente olhando".

A mesma dificuldade vale quando se trata de compreender os principais mecanismos da ação política, uma vez que eles envolvem processos cada vez mais sofisticados baseados, entre outras estratégias, na simplicação da realidade, persuasão e sedução.

Não faltam exemplos cotidianos do que se pode chamar de adestramento para a credulidade. Passamos das antigas "correntes" que funcionavam através de cartas enviadas pelo correio às formas contemporâneas turbinadas pela internet e pelas redes sociais. Os velhos "contos do vigário" são atualizados e suas vítimas se multiplicam. Horóscopos continuam sendo publicados em jornais e revistas, inclusive nos que se pretendem sérios. Mapas astrais ainda fazem muito sucesso. Remédios milagrosos e simpatias não perderam o prestígio. Os exemplos, também aqui, contam-se às centenas.

Em resumo, o analfabetismo científico, que faz com que muitos acreditem em explicações místicas e ficções; a confusão frequente entre opinião e conhecimento (doxa e episteme); os erros oriundos do pensamento circular e das relações inexistentes de causa e efeito; a presença ostensiva da fé no cotidiano; a tendência a aceitar premissas falsas como verdadeiras; a ausência quase completa da verificação das fontes; a aceitação passiva de argumentos de autoridade, entre outros procedimentos baseados quase que exclusivamente na intuição, no senso comum e nas experiências imediatas e pessoais, criam um ambiente propício ao engano e ao erro.

A adesão a teorias pseudo-científicas, a imposturas e ideias oriundas do senso comum podem levar, ainda, a todo tipo de preconceito, como xenofobia, racismo e sexismo. Neste ambiente, índios são preguiçosos, ciganos trapaceiros, judeus gananciosos. Loiras são burras, argentinos arrogantes, baianos lentos. A relação, extensa, é proporcional ao rebaixamento intelectual, terreno fértil para os fundamentalismos.

Um sem-número de ações cotidianas, como apostar em loterias ou se benzer ao passar diante de igrejas, indicam que o livre arbítrio e a faculdade do julgamento nem sempre são plenamente exercidos. A cientologia, a título de exemplo, tem milhares de adeptos mundo afora, especialmente entre as chamadas celebridades. O fundador da seita/igreja, L. Ron Hubbard, afirmou certa vez ter visitado uma lua de Vênus. E ele não estava brincando.

A credulidade sempre foi arma decisiva para o controle de populações e normalmente é utilizada na manutenção de privilégios. Afinal, diziam nossas avós, "sempre vão existir ricos e pobres". Técnicas sofisticadas foram desenvolvidas para que não tenhamos dúvidas a respeito das armas de destruição de massa do Iraque ou da boa-fé das elites francesas ao exportarem os valores da Revolução de 1789 para suas colônias e protetorados. Na mesma linha de raciocínio, não resta dúvida que Duque de Caxias é herói e Calabar traidor.

A ausência ou a insuficiência de crítica, da dúvida e do pensamento cético, contribuem para o crescimento de fenômenos como a constituição de bancadas religiosas e o ataque à laicidade do Estado. Episódios recentes, como a proposta da Lei do Nascituro no Congresso, sinalizam esta indigência intelectual. O obscurantismo é a outra face da falência da reflexão. Talvez por este motivo nossa experiência teatral se debruce, metafórica e literalmente, sobre a ideia de refletir. Em muitos casos, para além de divergências políticas, culturais ou filosóficas, estão em jogo mistificações e manipulações grosseiras que ganham força pela ausência de informações, do debate público plural e pela tibieza no exercício do pensamento crítico. Isto não significa dizer que seja possível mudar o mundo mudando as ideias, mas que mudar as ideias exige a mudança do mundo. Nesta dificílima tarefa, Platão não nos ajuda, Descartes deu pistas valiosas e Marx escancarou as portas.

Ficha técnica

Trabalho cênico: Manual de Autodefesa Intelectual
Roteiro e direção geral: Fernando Kinas
Elenco: Fernanda Azevedo, Maíra Chasseraux, Maria Carolina Dressler e Vicente Latorre
Músicos: Eduardo Contrera (percussão, violão e flauta) e Elaine Giacomelli (teclados)
Direção musical e composições originais: Eduardo Contrera
Cenário: Julio Dojcsar
Iluminação: Heloísa Passos
Coreografia: Luiz Fernando Bongiovanni
Figurino: Madalena Machado
Vídeos: Carolina Abreu, Filipe Vianna (colaboração de Maysa Lepique)
Direção de produção: Luiz Nunes
Assistência de produção: Daniela Embón
Produção executiva (temporada Sesc): Adriana Balsanelli
Programação visual: Camila Lisboa
Assistência de iluminação, operação de luz e som: Clébio de Souza (Dedê)
Assessoria de imprensa: Eliane Verbena
Produção: Kiwi Companhia de Teatro
Realização: Sesc

Serviço

Estreia: 9 de abril, quinta-feira, às 21h30
Temporada: 9 de abril a 10 maio de 2015
Horários: quinta a sábado, às 21h30 e domingo, às 18h30
Local: Sala de Espetáculos I (100 lugares)
Duração: 1h50. Gênero: drama. Classificação etária: 14 anos

Ingressos: R$ 25,00 (inteira); R$ 12,50 (aposentado, + 60 anos, pessoa com deficiência, estudante e servidor da escola pública); R$ 7,50 (Credencial Plena). Venda: pelo www.sescsp.org.br, a partir de 31/03, às 15h30, e nas unidades, a partir de 01/04, às 17h30.

Sesc Belenzinho
Endereço: Rua Padre Adelino, 1000. Belenzinho. São Paulo/SP
Telefone: (11) 2076-9700. ww.sescsp.org.br/belenzinho
Estacionamento: R$ 6,00 (não matriculado); R$ 3,00 (matriculado no SESC).

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